sexta-feira, abril 28, 2006

Adeus Hitler!

Finalmente assisti ao Untergang, o famoso filme sobre os últimos dias de Hitler. É paradoxal que todo mundo já tenha visto, menos eu que fiquei um ano na Alemanha, mas foi justamente por isso que eu não tive a oportunidade. Enquanto estava no Rio, o filme ainda não tinha chegado, e quando migrei já tinha saído de cartaz por lá. E não é que tinha saído de cartaz por falta de público, razão que leva dois terços dos filmes brasileiros a passar voando pelo circuito Estação. É pela alta taxa de renovação mesmo, a Alemanha está produzindo como nunca.

Engraçado que se fale tanto do cinema latino-americanos de hoje, quando coisa muito mais significante aflui diariamente da linha de produção germânica. Untergang é só mais um dos tantos filmes importantes, entre pérolas como Edukators, Lugar Nenhum na África, A Experiência e outros que remetem ao tempo em que os estúdios de Babelsberg só perdiam em importância para Hollywood. Aliás, não surpreende que a Alemanha de hoje, depois de um hiato de quase setenta anos, esteja produzindo algumas das melhores películas do planeta, afinal muito de um repertório cinematográfico se apóia na História, e foi lá que tiveram lugar os conflitos mais tensos do século passado. Quase todos os filmes alemães recentes usam o nazismo ou o comunismo como pano de fundo, ou se propõem a discutir aspectos como preconceito, autoritarismo e democracia, intrinsicamente relacionados a esses dois temas.

Na verdade, é até injusto colocar o Untergang como apenas mais um da safra. Não porque seja melhor que os outros. Mas como versa diretamente sobre o homem, o pai de todas as agruras que a Alemanha sofreu no século vinte, funciona como um patrono para os demais. Das Untergang conta como foram os derradeiros anos do Führer preso num bunker no centro de Berlim, enquanto se recusa a aceitar que seu projeto de futuro ariano para o país escorre pelo ralo. Após receber a notícia da derrota das últimas forças de resistência da cidade, Hitler sofre um baque e fica oito meses em coma. Ao acordar, o dr. Karl Brandt, seu médico pessoal, teme que o choque com a conjuntura presente prejudique sua saúde frágil. Por isso, recomenda a Himmler e Goebbels que escondam do líder a atual situação da Alemanha. O filme mostra, a partir daí, em tom de comédia e saudosismo, as trapalhadas em que se metem os dois mais bem ranqueados subordinados de Hitler para fazê-lo crer que seus ideais nazistas continuam vigorando.

Quando ele pede para comer um tradicional Apfelstrudel bávaro, por exemplo, Himmler chega depois de minutos em seus aposentos trazendo orgulhoso numa bandeja a torta de maçã do McDonald’s, e diz, a cultura ianque está prostrada diante de nós, mein Führer. Estão tentando fazer seus próprios Apfelstrudel. Hitler prova desconfiado um pedaço,

Das ist ein Stück Scheiße!, retruca.

Não se poderia esperar outra coisa dos americanos, mein Führer.

De outra feita, o ditador pergunta por que diabos contruíram aquele muro em torno da cidade, com guardas e arame farpado só de um lado. Goebbels, que todo dia substituía o noticiário do rádio por um produzido dentro do bunker, se apressa em armar uma edição especial anunciando que a Deutschland, Deutschland, über alles, depois de capturar todos os judeus restantes estava construindo um campo de concentração exemplar, que ocuparia toda a Berlim Ocidental. Nesse campo, relatava de peito estufado o repórter em farda da SS, os arianos poderiam castigar, torturar e exterminar pessoalmente os cem mil últimos judeus vivos.

Hitler vibrou com a notícia, mas como o muro não saísse de lá por quarenta anos, se impacientou e ninguém o segurou dentro do bunker quando quis descobrir por que demorava tanto tempo para matar tão poucos. Ficou emocionado ao sair no exato instante em que o muro era derrubado, 1989, pelos loiros da Alemanha Oriental. Os judeus estavam enfim extintos. E, logo depois, naquela cena final tocante em que passa por ele um helicóptero carregando a estátua de Lenin numa corda, Goebbels chega ao seu lado, suspira e diz, finalmente destruímos a União Soviética, mein Führer. E, com o baque da emoção de dominar o mundo inteiro, ele, como advertira o médico, enfartou.

10 Comments:

At 6:33 AM, abril 28, 2006, Anonymous Anônimo said...

hahaha

muito bom!

Só mesmo essa mistura de untergang com goodbye lenin pra me fazer rir desse filme... Aquela cena da frau goebbels com os filhos... jesus! Mais assustadora que qquer lista de schindler!
 

At 9:04 PM, abril 28, 2006, Blogger Mauro said...

Po, eu ainda não tinha visto! Esragou tudo contando o final!
 

At 1:48 AM, abril 29, 2006, Anonymous Anônimo said...

Lista de Schindler é finchina, Bárbara....
 

At 2:42 PM, maio 01, 2006, Anonymous Anônimo said...

hahahaha, muito bom!
alias, voce deixou um virus com a gente, e agora qualquer fim de semana extenso nos ja viajamos!
acabamos de chegar de uma viagem de dois dias e meio pra bavaria. vimos nurnberg, rothemburg e bamberg! mas mua ha ha, isso voce ainda nao viu!!
 

At 11:52 PM, maio 01, 2006, Blogger Rodrigo Rego said...

que rodrigo foi esse que escreveu? não fui eu! O que é finchina?

e eu fui pra rothemburg sim! as outras aposto que não valiam à pena! =P
 

At 1:33 PM, maio 02, 2006, Blogger Ronzi Zacchi said...

Esse file foi muito bom, super realista e com poucos exageros. Eu adorei.

Como vc tá, Herr Rodrigo?
 

At 9:41 AM, maio 03, 2006, Anonymous Anônimo said...

Rodrigo,

eu entro no seu blog todos os dias pensando em ler esse post e não leio. Tem muito alemão na minha vida nesse momento (tou tentando fazer as reservas de hotel em Dresden)... acaba me dando uma preguiça! :D

Depois das reservas eu consigo.

(Como é que você conseguiu ficar um ano falando essa língua enrolada?)

Bjo.
 

At 10:04 PM, maio 03, 2006, Anonymous Anônimo said...

gente, muito bom!! to rindo muito aqui!!
mas sei lá, não acho que essa safra de filmes novos seja grande coisa não.
deve ser a frustração por nao conseguir aprender direito essa língua maldita, daí acabo preferindo os filmes mudos, hehehe. nem a haus in heidelberg me salvou. :P
 

At 12:08 AM, maio 04, 2006, Blogger Rodrigo Rego said...

Vc tá aprendendo alemão é?

Por que? Alguma penitência?
 

At 11:39 AM, maio 04, 2006, Anonymous Anônimo said...

Moço,

que zona que você fez! Impressionante! hahahaha...

(Finalmente eu li. E ainda nem fechei a hospedagem em Dresden.)

Bjo.
 

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Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

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+55 21 91102610
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