terça-feira, março 07, 2006

O que nao mudou (mas parece que mudou)

Não sei bem onde fica, no meu cérebro, o motorzinho que ligou de novo assim que cheguei ao Brasil, e que se encarregou de cuidar da minha readaptação. Ele fez questão de enterrar o temor que eu tinha de achar enfadonha minha velha rotina, de sentir falta de Alemanha, se empenhou tanto na tarefa que é como se eu nunca tivesse saído. Parece que continuei todo dia comendo os meus sanduíches de requeijão enquanto lia a seção de esportes na cozinha. Eu, que há um ano não lia jornal impresso, que há tanto tempo não besuntava pão e bolo com Itambé, não senti nada de especial em voltar a tomar café da manhã em casa. O primeiro sanduíche de requeijão foi igual a qualquer outro, foi como se eu tivesse comido um igualzinho no dia anterior.

Da mesma forma, o bafo de quarenta graus que tanto me apavorava não está mais insuportável do que era ano passado e o misto quente com Calvin e Haroldo na casa do meu pai nunca foi tão familiar. Estou desconfiado que o motorzinho está querendo apagar o intercâmbio da minha memória. Mas tem uma ou duas coisas que já viraram reflexo condicionado, e vai dar mais trabalho.

Por exemplo, onde foi parar o botão da porta do metrô? Quer dizer que aqui no Brasil a porta abre automaticamente, não tem que apertar nada? Estão me deixando maluco os poucos instantes enclausurado no vagão esperando a providência, sem nada a fazer pra ter certeza de que vou poder sair. E o Rio, essa cidade sempre teve essas cores tão saturadas assim mesmo? Foi um barato sair do aeroporto e ver o céu azul, as árvores verdes, tudo em tons tão intensos, uma volúpia que tinha escapado pouco a pouco da minha retina à medida que o inverno vai transformando Berlim numa cidade exclusivamente preta e branca.

Sem falar nesse tanto de gente falando português na rua. Meu ouvido fica alerta, ele reconhece a língua e já pensa, um brasileiro! Brasileiro no exterior é uma situação diferente. Dependendo do humor, você foge e fica na surdina, prestando atenção no que eles conversam enquanto acham que ninguém está entendendo. Ou já vem se apresentando, ganha instantaneamente um amigo, e se for menina ainda leva dois beijinhos de lambuja. Mas aqui ninguém está assim tão predisposto a dar beijo só porque compartilhamos o mesmo idioma. Tenho que destreinar meu ouvido, senão logo logo fico encurralado.

E os preços? Voltei mais pão-duro ainda. Já não basta a inflação, ainda estou com esse resquício de enxergar tudo em euro. Outro dia deixei de comer no Bob’s porque a promoção tinha aumentado de oito reais pra trinta. Antes de eu sair era oito, em um ano subiu pra dez, e como só penso em euro, converto os dez euros pra trinta pilas.

São várias pequenas surpresas a se enfrentar agora que estou de volta, mas por mais inconvenientes que às vezes sejam, prefiro preservá-las. Porque já me readaptei tão instantaneamente que periga só trazer de lucro do intercâmbio as fotos.

Aliás, fotos e legendas, do ano novo à última viagem, já estão todas prontas no link ali do lado, Haus in Heidelberg.

4 Comments:

At 7:51 PM, março 07, 2006, Anonymous Anônimo said...

Ele voltou! =D

Pois essa coisa das cores saturadas do Brasil me fez lembrar de uns papos que rolavam na faculdade sobre as cores das exposições. A gente copiou o que eles inventaram lá, mas só agora a gente tá parando pra pensar que o brasileiro não consegue ficar dentro de uma sala de exposição porque lá tudo é monótono. Com uma paisagem dessa quem aguenta ficar trancado muito tempo em uma sala branca?
Vou ver as fotos com calma depois, tou curiosa.
A gente podia marcar um pão de queijo! De repente até lá no café do museu, que tal?
Bem-vindo, moço bem-adaptável!
Bjo.
 

At 7:52 PM, março 07, 2006, Anonymous Anônimo said...

Ah! Queria umas dicas de Europa depois, tá?
Bjo.
 

At 12:02 AM, março 12, 2006, Anonymous Anônimo said...

Olá Rodrigo!
Tudo bem?
Dei uma olhada nas fotos, elas estão lindas! Adorei seu post de aniversário, achei muito interessante essa reflexão sobre sua experiência!
Espero que você continue com o blog! Quando o leio lembro muito do livro que o João Ubaldo escreveu sobre a experiência dele em Berlim!
Fiquei pensando muito na parte que você fala que alemão só se aprende na marra! As vezes fico tão desanimada! Mas espero um dia falar e ser compreendida!
Para variar, tenho que falar de cinema... Você já assistiu “Uma mulher contra Hitler”?
Espero resposta,
Beijo!
Lu
 

At 4:29 PM, março 13, 2006, Blogger Rodrigo Rego said...

oi luciana, nao grila nao, é que eu fui pra alemanha tb muito cru, tinha aprendido tudo correndo e tal, foi no susto. vc certamente esta falando muito melhor do que eu estava quando fui.

quero ver esse filme, mas o circuito tb tá conspirando contra. agora so passa em um cinema do rio, e em um horario só! e ainda é aquele estacao botafogo pequenininho, que cabem 15 pessoas, sacanagem!

bjo!
 

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Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

rodrego(arroba)gmail.com
+55 21 91102610
Rio de Janeiro

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