domingo, fevereiro 26, 2006

A contrição do cético



Acabei de voltar de uma das experiências mais fantásticas da minha vida. Uma viagem que começou em Atenas e terminou em Istambul, mas cujo coração ficou mesmo na península sagrada do Monte Athos, no norte da Grécia.

A península é uma rocha que se levanta crua do mar, escolhida mil anos atrás para servir de retiro espiritual para monges ortodoxos que habitam os mais de vinte mosteiros erguidos nas escarpas de pedra. Hoje é um território autônomo, que exige visto de entrada e limita o acesso a um máximo de dez visitantes por dia. E entre as diversas outras restrições que impõem ao disputado ingresso na autodenominada república monástica, há que pertencer ao sexo masculino. Mulheres são proibidas num perímetro de quinhentos metros, por mar e por terra, da península.

Azar o delas. Minhas fotos não fazem jus à beleza dramática do lugar, que nevado ganha tons ainda mais selvagens. Nem tampouco as poucas imagens permitidas do interior dos mosteiros ortodoxos dão idéia do que é a vida de quem escolheu se isolar do mundo escondido onde ele se mostra mais espetacular. Sem que sua rotina seja alterada, os monges são receptivos na medida certa. Concedem ao visitante cama e comida gratuitos, livre acesso a todo o mosteiro e aos cultos, diálogo amistoso e um pouco da placidez e segurança que fazem qualquer cético invejar o religioso.

Porque o que pra mim não faz nenhum sentido, como os seguidos beijos na imagem da Virgem pintada na parede, as barbas até o umbigo e as vigílias que varam a madrugada, pra eles é uma bússola. E de tão cegamente seguida, fascina e acaba tornando todo o resto pequeno. Tudo. Tudo que eu já escrevi nesse blog, pequeno, o que vocês escrevem no blog de vocês, pequeno, o que bolaram em seus projetos de design, em suas outras profissões, pequeno, os filmes e peças que viram, até o show dos Rolling Stones de graça a trezentos metros da minha casa, até ele, pequenininho pequenininho.

Mas eu me criei um cético, em vinte e dois anos aprendi a não acreditar mais em nada, e por isso preciso falar de guerra de camelos. Guerra de camelos é o esporte mais praticado na costa mediterrânea da Turquia, camelos postos pra se confrontar durante o período de cio da fêmea, que acontece entre final de janeiro e início de fevereiro, portanto um pouco antes de eu ter a chance de contemplá-lo. Não é como briga de galos, não é agressivo. Depois de muita desengôncia entre dois bichos espumantes de tesão e nenhuma coordenação motora, perde aquele que cair no chão, berrar, ou, a única parte realmente perigosa do espetáculo, partir em debandada em direção à platéia. Um esporte inofensivo e despropositado, que só pode ser apreciado em sua plenitude por um cético, mas que nem de longe se equipara à comoção que deve inspirar gente como os monges do Monte Athos, que conseguem se entregar a uma verdade qualquer esquisita que seja, vencendo a fachada cínica protetora que não deixa ninguém mais se deslumbrar com nada.

2 Comments:

At 9:29 PM, março 02, 2006, Anonymous Anônimo said...

Céus! Eu quero conhecer esse lugar! Será que eu passo como homem? Meus amigos dizem que eu penso como um, o resto não pode ser muito difícil... ;)
Fiquei muito curiosa pra ver as fotos.
E essa coisa de guerra de camelos... bizarro.
Comeu hallumi?
Bjo.
 

At 8:29 AM, março 03, 2006, Blogger Rodrigo Rego said...

po, nao comi... só li seu comentário quando já tava na turquia =(

mas comi um outro troço muito legal, chama locume. Tipo uns cubinhos de gelatina com açúcar, tinha em tudo que é canto. Trouxe uma caixa de um quilo!

bjo!
 

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Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

rodrego(arroba)gmail.com
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