domingo, maio 28, 2006

Bustrofedao, parte 2 de 3



A história de Bartlebooth é uma dentre outras noventa e nove que se encontram no livro Vida, modo de usar. Não é a mais absurda, nem tampouco a mais realista, apenas a maior, e a que envolve a maior quantidade de moradores do edifício 11 da rua Simon-Crubellier. O livro de Georges Perec disseca o prédio, cortando-o numa seção vertical que revela dez andares, cada um com dez quartos. Cinco desses quartos pertencem a Bartlebooth, outros dois ao executor de seus quebra-cabeças, Garpard Winckler, um a seu criado, um é de Serge Valène, que lhe ensinou a pintar aquarelas, e outro de Morellet, que inventou a fórmula que descola praticamente intacto da madeira onde foi montado o papel das aquarelas de Bartlebooth. Cada um dos cem capítulos se dedica a um quarto, alguns revelando histórias loucas de personagens improváveis, outros apenas a descrição de um quarto vazio. O livro se move de um quarto para outro usando o movimento de um cavalo no xadrez, em L, como se o corte transversal do prédio fosse um tabuleiro.

Vida, modo de usar não é o melhor livro que já li (é o segundo), o que não me impede de reconhecer a genialidade de Georges Perec, o bonito aí de cima. O romance se calca não só na regra doida do movimento do cavalo, mas em muitas outras; que governam listas que aparecem ao longo do livro e têm a ver com o quadrado greco-latino do matemático Euler; que regem o padrão de surgimento dos personagens. São limites auto-impostos que ajudam na criação. E funciona. Porque o que se vê nos cem capítulos do livro é uma fertilidade de imaginação assustadora, que ofusca de longe toda a matemática esquisita que enquadra a estrutura.

E ela é até tímida perto de todas as sandices que esse gênio louco, Perec, meu ídolo, inventa para complicar seu trabalho. Lipogramas, por exemplo. Como pode um cara fazer um livro de trezentas páginas, La Disparition, policial noir, que, diz-se, prende o leitor até a última página, sem usar a letra E? Lembrando que em francês palavras como le, que, je, me, se, te e tantas conjugações do verbo être (ser) são quase impossíveis de se descartar. Como consegue, em seguida, em Les Revenentes, fazer o oposto, um livro cuja única vogal é o E?

E pra quem não entendeu o que tem esse título aí em cima a ver com tudo isso, bustrofedão é uma forma de escrita cujo sentido de leitura não é nem o ocidental, da esquerda pra direita, nem o árabe, da direita pra esquerda, mas um que alterna a direção a cada linha, não só invertendo o sentido como espelhando as letras. Bustrofedão foi uma das palavras que Perec usou em seu palíndromo (palavras ou frases que se lêem nos dois sentidos, como subi no ônibus), intitulado Palíndromo de Perec . Que aliás é o maior do mundo. Mil duzentas e oitenta e sete palavras. E uma delas é bustrofedão.

2 Comments:

At 12:48 AM, maio 29, 2006, Anonymous Anônimo said...

muito doido tudo isso...
eu já tinha ouvido falar nesse livro (vida, modo de usar), mas os comentários nao foram dos melhores não, hehe
agora fiquei curiosa, vou ver se leio alguma coisa do cara.
bjss
 

At 2:19 PM, maio 29, 2006, Blogger Rodrigo Rego said...

jura? quem te falou isso?? me diz pra eu enche-lo e porrada. incluí uns links no post pra quem quiser conferir
 

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Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

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