sábado, maio 13, 2006

Meu ouriço e eu

Já faz um bom tempo que eu e meu ouriço convivemos juntos, coisa de duas semanas. Pisei nele no Caxadaço, uma praia a oeste de Trindade, aquele reduto hippie perto de Paraty, no feriado de primeiro de maio. Caxadaço não é bem uma praia. Consiste numa série de pedras dispostas em círculo sobre o mar raso, formando o ambiente ideal não só para os peixes coloridos como para a farofada alternativa, coisa que muito incomodou quem esperava um paraíso intocado pelo homem. E por isso me veio a idéia infeliz de explorar os cantos isolados entre as rochas, onde não tinha ninguém.

Mal sabia eu que os farofeiros tinham ótimo motivo pra não aventurar seu frango assado naquelas bandas. Não dá pé ali dentro. O que em si não é grande problema, eu nado com razoável destreza. Mas pelas frestas de mar no meio das pedras as ondas entram com força dobrada para fazer o diabo da gente, e o único ponto de apoio são as rochas infestadas de ouriços. Sapateei três vezes neles antes de escapar. O dono da choupana natureba no caminho pra praia recomendou que tirasse os espetos com espinho de laranjeira. Futuquei a maioria ali mesmo até sair, mas um deles entrou muito fundo, não saiu nem com laranjeira nem com pinça e álcool em casa. O dono da choupana disse que espeto de ouriço pode infeccionar, que uma vez ele tinha ficado dois dias sem mexer o braço por causa de um. Aqui em casa falaram que o melhor era ir no médico e tomar uma anestesia pra arrancar fora um naco do calcanhar.

Não tirei o espeto nem o calcanhar. Isso faz duas semanas já. Meu pé não infeccionou por causa do ouriço, mas tampouco o absorveu. Ele continua aqui dentro, convivendo comigo em harmonia. Ou não. Ou os dois seguem travando uma batalha encarniçada, o ouriço atacando com veneno paralisante, meu pé com chulé, e os dois igualmente poderosos sem que nenhum seja forte o suficiente para superar seu inimigo.

Ou de repente meu pé venceu já há muito tempo, desde que saiu do habitat de água salgada que favorece o ouriço. Mas a queratina do espeto é que nem vidro, tão difícil de ser assimilada pela natureza que vai demorar duzentos mil anos até ser completamente digerida, e enquanto meus glóbulos brancos se cansam inutilmente nessa tarefa infinita, ficarei mais fragilizado a doenças viróticas. Quase o princípio da Aids.

A terceira hipótese é mais otimista. Pode ser que o ouriço e o pé sejam como o tubarão e a rêmora. Um encontrou no outro o parceiro ideal. O espeto se alimenta dos nutrientes do meu pé, finca raízes e em breve eclodirá do meu calcanhar uma enorme e afiada árvore-ouriço que me protegerá dos predadores. Claro que com uma espora natural desse tamanho eu nunca mais vou poder calçar sapatos, mas tudo bem. Eu sempre tive esse sonho secreto de ser bicho-grilo e morar numa comunidade alternativa na beira da Rio-Santos mesmo.

5 Comments:

At 10:13 AM, maio 14, 2006, Anonymous Anônimo said...

Grande companheiro que arrumou, hein Rodrigo?! Amigo que "não sai do nosso pé" é duris, como diria o Mussum!
Abraço e bom domingo!
 

At 10:01 PM, maio 14, 2006, Anonymous Anônimo said...

ih, lá na minha faculdade a maior galera tem espinho de ouriço de estimação incorporado em alguma parte do corpo. meu namorado tem um no joelho há alguns anos e ainda nao creceu nada por ali além de cabelo (pela graça do bom deus hehehe)

eu acho que nao tem muito problema nao, já que a coisa não inflamou, mas faço votos para q seu calcanhar permaneça ileso.

bjs
 

At 12:22 PM, maio 15, 2006, Anonymous Anônimo said...

Comunidade alternativa na beira da Rio-Santos? Boa sorte.

A única e última vez que estive me Trindade foi pra nunca mais voltar. Era a Copacabana no domingo dos hippies sem-noção. Congestionamento de meninas histéricas nas trilhas pras praias e 50 pessoas e um labrador tentando dividir a mesma cachoeira.

Obrigada mas eu fico aqui no Rio.

Quanto ao seu ouriço, tira não. O máximo que pode acontecer é você perder o pé. E pra que serve um pé, não é verdade? A gente tem dois mesmo!

Bjo.
 

At 7:25 PM, maio 15, 2006, Anonymous Anônimo said...

eu acho que o ourico fica, mas deteriora em um dia de calor e tenis fechado.
 

At 10:23 PM, maio 16, 2006, Blogger Rodrigo Rego said...

pois é, né, cagão, e vc não pisou em nenhum. Pelo menos eu agora sou um organismo associativo, como um líquen, e vc não.

Aliás, feliz aniversário atrasado! Ficou devendo o churrasco.
 

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Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

rodrego(arroba)gmail.com
+55 21 91102610
Rio de Janeiro

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