terça-feira, maio 30, 2006

Bustrofedao, parte 3 de 3

Foi Perec quem chegou ao ápice, mas não partiu dele a idéia de criar restrições para seus próprios escritos. Partiu de Raymond Queneau. Queneau escreveu Exercícios de Estilo, em que uma mesma história curta é contada noventa e nove vezes, cada uma num estilo diferente. Depois criou a Oulipo, OUvroir de LItérature POtentielle, que reuniu escritores franceses em busca de novos potenciais para a literatura, através de novas estruturas, esquemas, restrições, como os palíndromos e lipogramas de Perec.

Parece coisa de maluco. A foto ali debaixo reforça a idéia, e de fato lipogramas e palíndromos são só malabarismos textuais, puro circo. Mas quando as restrições se usam de elementos alheios às Letras, como as fórmulas matemáticas e os movimentos de cavalo de Vida, Modo de Usar, as idéias da Oulipo ficam muito mais interessantes.

Essas regras auto-impostas são um pouco como redação de colégio. Aluno nenhum que eu conheço gosta de tema livre quando faz redação. Tema livre implica numa liberdade de escolha tão grande que se perde o rumo. Quando Ítalo Calvino se propõe a criar histórias a partir de cartas de tarô, criando uma nova a cada seqüência disposta na mesa sempre que uma nova carta é baixada, ele está na verdade achando um tema no qual exercitar sua imaginação. Se não houvesse A Sacerdotisa, O Mago, A Temperança e A Morte, arcanos do tarô dispostos numa seqüência estabelecida, Calvino provavelmente não teria conseguido inventar as histórias imaginosas que concatenam esses personagens no livro Castelo dos Destinos Cruzados.

Talvez fosse isso que eu realmente quisesse no meu projeto final de faculdade. Nada de estimular o acaso, nada de derramar tinta no papel pra ver que bode que dá, o objetivo seria elaborar regras externas às que já demandam um projeto de design gráfico, para estimular a criatividade. Quando André, Gil e eu bolamos as regras de execução coletiva do convite para a festa de formatura (nunca usado), acho que o que queríamos mesmo não era criação coletiva, nem ver como funcionaria o acaso ao misturar projetos individuais de pedaços isolados num grande todo macarrônico. A expectativa era de ver que resultado daria aquele conjunto de regras esquisitas dentro das quais teríamos que nos limitar.

Um dos esquemas propostos pela Oulipo mandava que se pegasse um trecho de um texto clássico e se trocasse todos os substantivos por outros que se encontrassem sete entradas depois no dicionário. A partir daí, reescrever mudando, se necessário, as demais palavras. É bem parecido com um esquema de criação em design que eu tinha inventado: a cada vinte minutos uma das camadas de um arquivo aberto no Photoshop é trocada por outra de um arquivo qualquer. Só hoje eu entendi meu tema. Não tem a ver com o resultado, casuístico, dessas restrições, mas com a elaboração das regras em si. Mas agora fica pro mestrado.

4 Comments:

At 2:02 PM, junho 05, 2006, Anonymous Anônimo said...

Caramba Rego, onde você encontra referência pra esses livros que você lê?

É sempre um mais doido que o outro.

Mas, embora eles sejam diferentes, são realmente interessantes de se ler? Porque existem certas coisas que são interessantíssimas pela maneira como são construídas, como Laranja Mecânica, mas que não posso considerar como divertido.

E aí? Recomenda a compra? Você leu no original?

[]'s
 

At 5:10 PM, junho 05, 2006, Blogger Rodrigo Rego said...

Um acaba puxando o outro né? A referencia pro Vida e pro Ex. de Estilo está num livro chamado Seis Propostas para o Novo Milenio, também do Calvino. Nesse livro ele fala sobre as cinco (ele morreu antes de fazer a sexta) qualidades fundamentias da ltieratura para o futuro, e os dois livros se encontram no capitulo multiplicidade.

Se sao bons de ler? Cara, gosto cada um tem o seu. Eu, por exemplo, nao tenho saco pra historias muito grandes, se nao me prendem de primeira e ficam enrolando descrevendo o vento sacudindo o capim, nao aguento ir ate o fim. E os livros dos quais tou falando sao feitos de mini-historias, que vao se entrelaçando num painel maior. Acho isso genial. Se vc é do tipo que nao gosta de historias rapidas, porque mal te deixam entrar nela e ja acabam, nao vai se amarrar. Se gosta, entao te empresto o meu Vida modo de usar (em ingles) com prazer. Vale a pena que é uma beleza, e nao é cabeça, pelo contrario, se vc for parar pra ver, as historias sao as mais pop possiveis.

E obrigado por tirar do zero esse post!
 

At 12:35 PM, junho 23, 2006, Anonymous Anônimo said...

Rodrigo,
passei tempos sem visitar, e por aqui a vida eh aliteraria e afilmica (restricao q a lingua ainda me faz e provavelmente me fara por um bom tempo ainda)... mas seus posts trazem um otimo gosto de boa leitura pro dia... acho q nem vou ler os livros pra nao estragar o post. o bustrofedao eh o melhor insite de usabilidade literaria... mto bom... exponha o tema do mestrado e das regras pelas regras! bjos, Luyza.
 

At 9:08 PM, junho 29, 2006, Blogger Rodrigo Rego said...

Oi Luyza, bom ver vc aqui de novo!
E nem adianta ficar se lamuriando por estar na Alemanha que é onde eu (e durante a copa, qualquer brasileiro) queria estar também! Torço pra que o sua tese de mestrado saia tinindo de boa. Um dia eu volto praí também. bjo!
 

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Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

rodrego(arroba)gmail.com
+55 21 91102610
Rio de Janeiro

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