terça-feira, janeiro 29, 2008

Paralamas + Titãs: o melhor show de todos os tempos


Tá certo que eu lambo o chão onde pisam essas duas bandas, mas o show de sábado foi fora do comum, e mesmo os mais céticos vão acabar concordando comigo quando eu terminar de descrevê-lo.

Estávamos há quase uma hora esperando ao relento na Marina da Glória. Um palco mastodôntico à nossa frente e o céu denso, chantageando toró, quando o show começou. As gruas que faziam a gravação se levantaram brontossauras, muitas luzes piscando e o instrumental veio crescendo até parar de repente para o brado do Herbert Vianna:

– Diversão!

Solução sim. Diversão, solução pra mim, continuou Paulo Miklos, inaugurando a apresentação conjunta das duas melhores bandas de rock nacional.

Que continuou com Miklos cantando Calibre, Herbert cantando Marvin e Sérgio Britto cantando Selvagem no mesmo embalo. Teve gritaria em Bichos Escrotos, delicadeza em Epitáfio, rodinha de samba para A Novidade e uma metralhação cáustica para Cabeça Dinossauro. E convidados, muitos deles, entrando quase à razão de um por música:

– Eu queria chamar um velho companheiro de batalha – falou Herbert, abrindo caminho para Andreas Kisser, que veio para O Beco e Polícia.

– A gente convida aqui um velho amigo nosso – disse Branco Mello, antecipando Arnaldo Antunes, que cantou Comida e Lugar Nenhum.

– E agora um cara que é um diamante raro da música brasileira – e chega Samuel Rosa, cantando Lourinha Bombril.

Já Caetano dispensou apresentações. Foi ele que puxou, da coxia, o “Miséria é miséria em qualquer canto” a que Herbert respondeu:

– Riquezas são diferentes!

Quando ele entrou entoando “índio, mulato, preto, branco”, parte do público vaiou, mas logo que a música pegou embalo a desconfiança estava superada, e Caetano saiu aclamado enquanto um telão gigante baixava ao fundo.

– Essa é a última música do show, gente.

Tony Belloto abafou os lamentos do público dedilhando um conhecido riff de guitarra.

– Que a gente nunca se esqueça das grandes figuras do rock brasileiro, galera! Cazuza, Renato, Marcelo Fromer! Nas favelas! No senado!

E a gente, se esgoelando:

– Sujeira pra todo lado! – passando a bola para o Sérgio Britto:

– Ninguém respeita a constituiçã-ã–ão. – e de repente o telão mostra Renato Russo:

– Mas todos acreditam no futuro da nação!

Do refrão até o final cantaram Paralamas e Titãs à capela, se enfileirando à frente do palco enquanto o Legião Urbana se encarregava dos instrumentaos. A galera em transe mal pôde acreditar quando a canção acabou e os músicos se curvaram de mãos dadas, agradecendo. Continuamos em pé por mais de dez minutos pedindo bis, eu já cavava meu caminho de volta pela multidão quando surgiu o Paulo Miklos das coxias:

– Galera, vocês não vão acreditar quem é que está aqui pra cantar pra vocês! It’s Paul! Fucking! McCartney! Um facho de luz se estendeu até o centro do palco, onde um descontraído Paul cantou:

– One more time-ime-ime, one more time-ime-ime...

E logo depois o Herbert:

– Rodas em sol, trovas em dó, uma brasileira, uh...

E McCartney, de novo:

– One more time-ime-ime...

O público, pulando sem ritmo, nem percebeu que a música acabou e Branco Mello já estava emendando:

– Luís Inácio falou, Luís Inácio avisou...

E em seguida uma voz espessa, bruta:

– São 300 picaretas com anel de doutor.

Lula entrou cercado de gelo seco, vindo de um elevador subterrâneo no centro do palco, óculos escuros e casaco de couro. Se revezou com Branco nos vocais, a letra decorada, deu vida nova à canção com sua língua presa, complementada pelo beatbox que Paul McCartney fazia com a mão na boca.

Ao final, um Herbert Vianna comovido se voltou ao público:

– E agora para a última música da noite nós gostaríamos de chamar cada um dos artistas que contribuíram para a riqueza do rock nacional.

Imediatamente depois o palco foi tomado por todos os roqueiros brasileiros. Estavam lá Lulu Santos, Dinho Ouro Preto, Fernanda Takai, Evandro Mesquita, Frejat, Ed Motta, Humberto Gessinger, Eduardo Dussek, Chorão, Rodolfo, Nando Reis, Leoni, Léo Jaime, João Gordo, Rodrigo Amarante, Wanderléa, Max Cavalera, Flávio Venturini, Dado Villa-Lobos, Gabriel o Pensador, Felipe Dylon, Lobão, Paulinho Moska, Conrado, Rita Lee, Rei Roberto Carlos, Paula Toller e tantos outros. Quem fosse atento acharia também Renato Aragão, Grazi Massafera, Inri Cristo, o Repórter Vesgo e Romário.

Todos lá, o intérprete do presidente puxou:

– We are the world!

Ao que Titãs, Paralamas, Paul McCartney e todos os artistas do rock nacional continuaram:

– We are the children! – dando àquela noite um arremate inesquecível.

5 Comments:

At 9:06 PM, janeiro 30, 2008, Anonymous Anônimo said...

acima das palavras essa história...
a foto do lula tá sensacional.
 

At 9:22 PM, janeiro 30, 2008, Blogger Rodrigo Rego said...

e olha que não é montagem!
 

At 3:21 PM, fevereiro 01, 2008, Blogger Mauro said...

E aquele irlandês que abraçou o maratonista? Pô, ficou de fora? Melhor resenha de show já publicada num blog.

OK, agora pode esclarecer em que ponto começou a sacanagem? O caetano apareceu mesmo? Ele não tem mais o que fazer não? E Arnaldo Antunes é um merdão arrogante.
 

At 8:54 PM, fevereiro 01, 2008, Blogger Rodrigo Rego said...

O Caetano nao foi nao, tudo depois do Samuel Rosaa é besteira. O irlandês virou persona non grata por aqui, mas aquele grego gordo que ajudou o Vanderlei bem podia ter dado um pulinho...
 

At 5:54 AM, fevereiro 04, 2008, Blogger Unknown said...

otima resenha! bom saber a verdade de verdade, ja q ja tinha lido o “Miséria é miséria em qualquer canto” com sotaque meio bahiano de caetano e o "São 300 picaretas com anel de doutor" com a voz rouca do lula do casseta e planeta. Verossimilhanca a toda prova.
 

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Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

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