sábado, setembro 06, 2008

Química básica inventada, 3a edição

Hoje fui à Esdi assistir uma palestra pra despertar a mufa do tenebroso inverno. Eu que já fui palestra buff, hoje ando exercitando os miolos só com filmes do Estação e palavras cruzadas, quase um aposentado evitando a esclerose. Estava mais que na hora de fazer eles voltarem a estalar.

A palestra era sobre obra aberta, aquela em que o autor abdica dos seus direitos pra vê-la circulando por aí sendo usada e modificada pelo público. É um assunto que interessa tanto meu lado designer quanto meu lado um-dia-ainda-vou-ser-rico-e-famoso-escrevendo-um-livro. Mas não rendeu muito: dois minutos depois do início, os palestrantes concordaram que obra aberta era terrível e foram falar de outros assuntos.

Mas como os dois eram muito bons, acabou rendendo um bocado.

O melhor momento foi a inversão de papéis entre livros de ficção e livros técnicos.

Segundo eles, as histórias ficcionais são as únicas em que se pode ter certeza absoluta do fato ali contado. Portanto, é mais verdadeira que a realidade. Já os livros técnicos, de física, medicina, direito, são muito mais ficcionais. Todos eles se baseiam no método científico, que por mais infalível que seja, é como um jogo. E como todo jogo, só faz sentido dentro do universo particular das suas próprias regras. Ficção pura.

Depois de ouvir toda essa retórica, comecei a pensar em como seria um livro técnico ficcional – literalmente. Digamos, um livro de química cheio de equações inventadas, por exemplo.

Falo em química porque, por estudar objetos microscópicos, nos obriga a aceitar o que os livros dizem, sem comprovação possível. E se os livros de químida na verdade forem todos bem elaboradas obras de ficção? E se o trabalho do romancista fosse inventar uma lógica diferente para os fenômenos químicos?

Seria um livro igual a qualquer outro de segundo grau, sem concessões. Apenas conceitos e fórmulas que explicam de forma plausível as reações, mas tudo inventado.

Nem é novidade a idéia. Não existem dicionários élficos? Ou então: leiam Duna para ver que o autor criou o ecossistema de um planeta inteiro para servir de pano de fundo pra sua história.

Melhor ainda: alguém já foi à Molvânia? Claro que não, ela não existe. Mas tem, sim, um guia turístico, feito pra gente acreditar que ela está lá perdida em algum lugar às margens da União Soviética.

12 Comments:

At 9:09 PM, setembro 06, 2008, Blogger Mauro said...

E não é apenas um guia, é uma editora inteiramente dedicada a eles.
Sem comentários a respeito da blasfêmia mor.
 

At 9:33 PM, setembro 06, 2008, Blogger Alexandre Van de Sande said...

um livro de ciencia baseado em ficção? Que tal um museu inteiro, com livros didáticos, aulas, professores e escolas primarias inteiras, dedicadas a contar uma historia onde jesus era amigo dos dinossauros..

www.creationmuseum.org/

falando em dinossauros, mande esses palestrantes que nao gostam de obras de divulgacao abertas ler cory doctorow e larry lessig...
 

At 11:38 AM, setembro 08, 2008, Blogger Rodrigo Rego said...

Não é blasfêmia, é só um jogo de palavras esperto que leva à conclusão de que ficção é realidade, ciência é um jogo. As coisas fantásticas que uma boa retórica faz.

E a Bíblia é um puta exemplo de ciência fictícia. Se alguém resolvesse pegar o antigo testamento e tentar demonstrá-lo com teses de doutorado e axiomas (não deve ser difícil de converter), seria exatamente o que eu imaginei. O museu pula o passo do livro científico e vai logo na abordagem infantil.

Finalmente, não vejo problema em os palestrantes não gostarem de obra aberta. Só não deviam ser escalados pra falar sobre ela.
 

At 7:54 PM, setembro 10, 2008, Blogger Mauro said...

Na verdade isso que você descreveu já existe: Matemática.
A matemática pura explora relações lógicas e sistemas inexistentes no mundo real, mas inteiramente coerentes dentro da própria descrição. Uma hora você aplica um desses modelos a um problema do mundo real e fica milionário com o trabalho aparentemente inútil que alguém fez 40 anos atrás.

Agora, explica melhor isso: Se a ciência é ficcional e a ficção é factual, isso não implica que a ciência seria factual por ser um caso particular da ficção? Retórica furadassa.
 

At 7:59 PM, setembro 10, 2008, Blogger Mauro said...

Ah, e não tem nada de científico na bíblia. Não tem nada mais capaz de fazer ateus brotarem do chão que um cara fazendo exames de DNA ou datação por carbono no santo sudário.
Aliás imagino uma temporada inteira do mythbusters dedicada aos milagres bíblicos, não faria muito sucesso.
 

At 10:56 AM, setembro 11, 2008, Blogger Rodrigo Rego said...

O que é furado em vc tentar explicar a Bíblica com testes de DNA é que as duas lógicas não combinam. Testes de DNA e datação de carbono são lógicas próprias à ciência. Fé, milagres e mãos decepadas de santos expostas em redomas são lógicas próprias da Igreja.

Provas científicas nada mais são do que as regras do jogo da ciência, só fazem sentido para a própria ciência.

A Igreja faz perfeito sentido dentro de sua própria lógica. Ela consegue explicar com facilidade, por exemplo, o sentido da vida, coisa que a ciência nem chega perto.
 

At 4:20 PM, setembro 11, 2008, Blogger Alexandre Van de Sande said...

falando em ciência ficcional e a ficção factual vi hoje um livro chamado "true enough" sobre como no mundo de hoje tem tanta informacao falsa e verdadeira convivendo que alguns grupos conseguem sobreviver a vida inteira acreditando em suas proprias verdades (teorias da conspiracao, criacionistas, cientistas malas sem vida social e etc)
 

At 3:17 PM, setembro 14, 2008, Anonymous Anônimo said...

Nossa. Tá profundo isso aqui.

Acho que tudo é uma questão de crença. Você simplesmente acredita ou não. Você já viu um átomo? Eu não, mas acredito nos cientistas que dizem que ele existe. Da mesma forma uma garota que estudou comigo no colégio não acreditava em Darwin, pra ela éramos frutos de Deus, não do macaco. Crença pura, de ambos os lados. (E é por isso que esse mundo é uma zona, porque a verdade é totalmente relativa).

Quanto à obra aberta - quem convidou esses palestrantes? Que frustrante! Ninguém lá mexe com computador? Que falta de perspectiva. Não pensam que as regras podem mudar, não?

Bjo.
 

At 8:06 PM, setembro 14, 2008, Blogger Rodrigo Rego said...

Então é exatamente isso. Imagina uma teoria nova que explicasse a constituição da matéria sem usar átomos. Nós leigos não temos provas para refutá-la, só outras teorias tão especulativas quanto.

Quando eu era pequeno achava que o corpo humano funcionava com vários duendes dentro que manipulavam engrenagens pra mexer o braço, digerir a comida, e etc. Hoje sei que isso é absurdo. E no entanto nunca vi um intestino ao vivo. Quem sae não são duendes mesmo?
 

At 7:17 AM, setembro 15, 2008, Anonymous Anônimo said...

Eu ja vi um intestino ao vivo, na exposicao Bodies. Posso assegurar que ele existe. Voce acredita ou nao. hihi. Mas se forem duendes, os meus andaram meio bichados na ultima semana...
 

At 11:14 AM, setembro 17, 2008, Blogger Rodrigo Rego said...

É verdade, lembro de ter visto uma exposição sobre corpo humano também, com defuntos e tal, não sei se é a mesma. Mas não quer dizer nada. Aquilo pode ser uma grande farsa...

E melhoras aos seus duendes!
 

At 9:14 PM, setembro 19, 2008, Blogger Mauro said...

Off-topic

Rego, acabei de ver um site que vc fez (um blog, aliás, o "simplesmente delícia").

Salve a minha esperança na humanidade e diga-me o que pensas de sites com esta diagramação: http://www.fatduck.co.uk/
 

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Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

rodrego(arroba)gmail.com
+55 21 91102610
Rio de Janeiro

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