quinta-feira, agosto 17, 2006

Escrivaninha

Senti-me tentado a começar este quarto post da série sobre espaços escalares falando do meu quarto, para aproveitar a coincidência de nomes, mas me rendi à ausência de relação de posse com o tema do último post, que é o que tenho buscado, além do aumento de tamanho. Um pixel pertence a uma tela, uma tela pertence a um computador, mas um computador não pertence a um quarto, embora tampouco pertença a uma escrivaninha. Um computador pertence a uma mesa, larga, de vidro com pés de metal, mas no meu quarto não tem nenhuma, só essa escrivaninha, um arremedo de móvel, um remendo multiuso no exíguo espaço entre a cama e a parede oposta.

Fosse somente pela escrivaninha, acredito que não seria capaz de escrever e fazer design a contento. Se o mundo tivesse parado antes do computador, de preferência em 1963, antes da ditadura e depois da copa, estaria alijado das minhas duas principais atividades. Tendo eu que blogar num bloco pautado e colocar cópias do texto manuscrito em garrafas ou dobrá-las em gaivotas, terminaria com um sério problema de artrose no pulso, porque à minha direita o móvel tem uma elevação de cerca de quatro centímetros da qual teria que desviar ao escrever à mão. Não poderia abrir o suficiente o braço direito, espremido, e só de pensar já prevejo as dores futuras do pulso deslocado.

Para fazer design, a escrivaninha é ainda menos útil. São cerca de quarenta centímetros de profundidade, menos que o tamanho de uma folha A3 na vertical. Nem quero imaginar como seria colar letraset em um cartaz 60x90 cm amarfanhado nessa ranhetice. Por isso comprei uma mesa de desenho, dobrável, que agora complementa o espaço de trabalho ao lado da escrivaninha, já que, ao contrário da maioria dos meus colegas, ainda não abandonei o desenho à mão que nos fazia tão populares no colégio.

Minha escrivaninha é provavelmente feita de MDF, ou um pinho barato. É revestida com folha de cedro envernizado e fórmica azul escura no tampo. Eu decorei a lateral com adesivos dos quais hoje me arrependo, ilustrando lugares que nunca fui: Hollywood, Las Vegas, Bélgica, Bruges, outro de Las Vegas, Los Angeles, Wet’n Wild, que eu já conheci, e um prateado do Vasco, que eu conheço muito bem e não me arrependo. Logo embaixo do tampo há uma prateleira de correr, onde antes tinha um teclado, e agora tem só um mouse, em cima de um mousepad do metrô de Londres. No tampo da escrivaninha fica o laptop, com a fiarada que se ejeta pra fora e o benjamim no qual ela em sua maioria desemboca. Há também, temporariamente, vários CDs do Barão Vermelho (com Cazuza) e dos Titãs, que estou transformando em mp3 para passar em seguida para um futuro iPod, que substituirá meu aparelho de som quebrado. Há um bloco aberto de papel chamequinho, a capa protetora do Macintosh, alguns papéis aleatórios, entre eles um mapa de Århus que ganhei de presente dos dois dinamarqueses que estiveram aqui em casa, e por último, o saco plástico que cobre a impressora, emprestada temporariamente para a minha irmã. Nos vãos onde antes ficavam o estabilizador e o gabinete do meu antigo computador, coloquei alguns livros de design e estojos de material gráfico, como pastel seco, guache, aquarela, marcadores e réguas. Eu teria problemas para descrever o conteúdo do armarinho ao lado, que se parece com um liquidificador de tudo que já foi dito antes.

Às vezes fico sonhando com uma mesa de mogno. Larga, bojuda, encostada na parede só pela lateral, que soltasse cheiro de madeira e de dicionários velhos, e desse de frente para uma estante também de mogno, dessas que cobrem a parede inteira, do teto ao chão, cheia de livros falsos talvez, não importa, vinte volumes de encadernação oca da Encyclopedia Britannica de 1876, entre outros, e uma cópia de um mapa-múndi do século XVII. Ao meu alcance, na escrivaninha, haveria uma pena de ganso mergulhada em nanquim chinês e um mata-borrão, puro enfeite para formar o quadro com um computador negro de tela de dezenove polegadas, sem fio e com sistema de som surround até para os barulhinhos de clique do Windows (melhor, do Mac). Acho que num ambiente assim tão castanho qualquer um pode produzir em minutos uma novela de setecentas páginas ambientada na Rússia czarista, embora eu provavelmente eu não tivesse mais estímulo para fazer experimentos com tipografia desconstruída.

3 Comments:

At 3:22 PM, agosto 19, 2006, Blogger Mauro said...

Vai comprar um iPOD? Muito coisa de designer, essa Apple mania. Provavelmente vc vai pedir pra sua irmã trazer quando voltar da Alemanha (ou já voltou?). Então não custa nada vc aproveitar para pedir um acessório para o iPod que certamente vai fazer tanto sucesso quanto o próprio iPod, é o iBuzz. Se liga!
www.ibuzz.co.uk
 

At 12:21 AM, agosto 23, 2006, Anonymous Anônimo said...

Duas coisas:
1. Comprei pastéis secos (caixa com 48) por menos de 30 reais em Praga. Acredite. O milagre se chama fábrica em Bratislava.
2. A tal escrivaninha de mogno pode até virar realidade. Bem, talvez não de mogno, mas de madeira-madeira: tem uma loja na Voluntários, perto da Cobal, que se chama Vecchio Novo e faz móveis baratos com madeira de demolição. Lindos. De verdade.
A gente ainda não marcou nada. Tsc, tsc. :|
Bjo.
 

At 10:58 PM, agosto 23, 2006, Blogger Rodrigo Rego said...

Eu não devia confessar isso, mas o post já tá velho mesmo, ninguém vai ler: fiquei encasquetado me perguntando o que vc ia fazer com 48 pastéis secos fabricados na Eslováquia.

Muito, muito tempo depois, entendi que era o lápis, não o salgadinho. Blergh.
 

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Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

rodrego(arroba)gmail.com
+55 21 91102610
Rio de Janeiro

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