sábado, dezembro 03, 2005

Felicidade de novo

A capa de disco mais bonita da história é a do novo do Brian Wilson. O fundo é branco com uma moldura art nouveau em relevo, e um sol amarelo infantil destaca o título no centro, Brian Wilson presents SMiLE, cada palavra escrita numa cor, sendo SMiLE com azul bem vivo, espelhado. E a tipografia, que tipografia é aquela!, toda bagunçada, genial. Assim como a música do disco, que experimenta com modulação: a técnica de gravação, concebida pelo próprio Brian, usa trechos isolados e seguidamente reaproveitados ao longo de uma faixa, dando a cada parte uma textura diferente.

SMiLE não é exatamente um disco novo. A primeira tentativa de gravá-lo foi em 1966, quando ele ainda fazia parte dos Beach Boys, quando os Beach Boys ainda existiam. O grupo, que despontou com canções sobre surf e Califórnia, em pouco tempo se tornou um dos mais inovadores dos anos sessenta, e SMiLE seria seu apogeu, um disco feito com o objetivo de puxar um sorriso do ouvinte, celebrar a alegria. O Sgt Pepper do rock americano, ou não só isso, o próprio Sgt Pepper teria que ser chamado de o SMiLE dos Beatles, se SMiLE tivesse sido bem sucedido.

Mas não foi. Brian Wilson, pressionado pela família, pelos próprios Beach Boys e pelo carma da autocomparação com os Beatles, entrou em colapso, tomou LSD como quem come sucrilho no café da manhã, virou recluso, começou a engolir pilha e tampa de caneta e arranhou tudo que tinha sido gravado até então. Durante mais de trinta anos, SMiLE virou palavra proibida no vocabulário do compositor, mas o progresso com o tratamento psiquiátrico o fez reunir forças para recomeçar o projeto e, dessa vez, terminá-lo.

Cada vez que ouço o disco, gosto mais um pouco. Estando eu já lá pela décima audição, e sem vontade de parar, dá pra sacar a quantas anda o SMiLE no céu do meu conceito. Mas tem uma coisa. Felicidade, se a intenção era essa, o CD não transmite. Nem Good Vibrations. Essa, que deveria ser a música da alegria por excelência, acaba reinterpretada com uma melancolia de partir o coração. O disco inteiro, apesar dos temas engraçados, soa desolado, obra de um sujeito atormentado que tentou ser melhor que os Beatles e não conseguiu. Quem é esse cara pra dizer pra alguém o que é felicidade?

Brian Wilson podia ter tentado um caminho mais curto, já que queria só fazer rir. Sua verve cômica fica eclipsada pela aura de genialidade, mas ele daria um puta comediante. No show, por exemplo, o nervosismo, as gaguejadas, ele se penitenciando por qualquer erro besta, tudo podia ser hilário se fosse pensado como um legítimo pastelão. Porque a gente ri não só quando está se sentindo bem, mas também quando se sente melhor que os outros, quando os outros são ridículos. Isso costuma ser tão engraçado que culmina na gargalhada, na bocona aberta de língua pra fora externando todo o nosso alívio por que o papel de bocó não é a gente que tá fazendo.

Claro que é um clímax breve, porque logo se percebe que a patetice dos outros não nos torna melhores, e voltamos à seriedade até que alguém escorregue na próxima casca de banana. Já o mero sorriso, aquele que se origina do sentimento de bem estar, é mais discreto e distribui o êxtase da gargalhada ao longo do dia. Sem grandes excessos. Qual dos dois é melhor, não sei. Não vou me colocar de lado nenhum do muro, há quem defenda uma vida de montanha russa e quem prefira andar só no carrossel. Mas claro que a alegria que não se sustenta em comparações, que cria seu próprio padrão sem olhar em volta, é mais difícil de se conseguir e de ser estimulada através da arte. O que prova que o Brian Wilson não queria fazer ninguém feliz coisa nenhuma, queria era ter o mérito de conceber a música que desencadeia nas pessoas a sensação de felicidade, sem apelar pra piada de português. Mas por melhor que seja o disco, falhou feio. Já os Beatles, sempre eles, conseguiram.

3 Comments:

At 12:08 PM, dezembro 05, 2005, Anonymous Anônimo said...

Olá Rodrigo!
Como o assunto é cinema, eu vou fazer um comentário! Esse filme é muito interessante! E o Bill Murray está muito bem! Espero sua opinião sobre ele! Eu gostei muito do novo filme da Toni Collete com a Cameron Diaz, EM SEU LUGAR, assistindo a esse filme deu uma saudade do Casamento de Muriel!
Vou parar aqui! Não posso só falar de cinema!
Como estão as coisas aí?
Beijo!
 

At 7:13 PM, dezembro 05, 2005, Blogger Rodrigo Rego said...

Broken Flowers.. eu vi... e confesso: achei um tédio! Ah, que saco aquele cara com aquela cara de bunda o filme inteiro!

E olha que eu me amarrei em Encontros e Desencontros, mas esse não deu...

beijo!
 

At 12:04 AM, dezembro 08, 2005, Anonymous Anônimo said...

Putz, um amigo meu comprou esse CD assim que saiu e disse é que maravilhoso! Fiquei muito curiosa pra ouvir. Na época do lançamento fiquei sabendo da epopéia que foi e só isso já tinha me dado vontade de ouvir. Agora não vou ter mais saída.
(E você e sua fixação por Beatles... olha que isso vira doença! :P )
Bjo.
 

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Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

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