sábado, outubro 08, 2005

O centro do universo

O centro de uma esfera, li num livro de geometria, corresponde ao ponto cuja distância para a superfície é sempre a mesma. Por isso, não há muito o que discutir quando apontam o centro da Terra como o núcleo. Ou mais especificamente, aquele pentelhésimo bem ali no meio para o qual não faz diferença se o mundo gira, porque ele continua sempre no mesmo lugar.

Da mesma forma, o centro do sistema solar é o ponto em volta do qual tonteiam os planetas em suas órbitas elípticas, e que também coincide com o centro do Sol. Mas o Sol também se move, faz parte de um sistema ainda maior que roda sob a égide de uma estrela gigante, seu centro. E tudo isso vaga matematicamente dentro da Via Láctea, cuja meiuca está em algum lugar do encontro dos seus braços espiralados. Difícil de determinar exatamente, mas um dia a gente chega lá.

Complicado mesmo é achar o centro do universo. Como precisá-lo num espaço sem fronteiras, que mal se sabe se está crescendo ou encolhendo, ou se está na verdade parado e o que os pesquisadores identificam como expansão ou contração é apenas o pulmão dele bufando de cansaço depois do esforço do big bang? Só pela geometria não dá. Aí é que as ciências exatas dão lugar ao bom senso, elegendo por unanimidade Paris, a cidade para onde tudo converge e onde todos queriam estar, na qual tudo que se cria vira padrão de qualidade e é copiado por toda parte. Justa escolha para o centro do universo.

Mas calma. Não acabei ainda com os aumentos de escala. Paris é o centro do universo, mas maior do que o universo são as inúmeras hipóteses erradas em relação a ele. Posso chutar agora que lá no seu final há uma mesa de refeições onde Deus, Jesus e Virgem Maria jantam muito elegantemente a pomba do Espírito Santo assada com uma maçã da perdição na boca. Essa hipótese absurda não procede, mas a partir do momento que foi formulada tem que pertencer a algum conjunto, que não é o universo, é o conjunto do tudo. Que abarca também a cúpula negra onde estão coladas as estrelas, o mundo chato que deságua numa cachoeira, tudo o que não existe no universo mas alguém um dia pensou, tudo que no futuro não vai acontecer mas alguém acha que vai, e cujo centro naturalmente é o umbigo de cada um, no caso desse blog, o meu.

Não quero sugerir que o aumento de escala corresponde também a um aumento de importância. Embora o meu umbigo seja provavelmente mais importante que o pentelhésimo no núcleo da Terra, ele nem sonha em se equiparar a Paris, e por isso treme de ansiedade agora que os centros dos dois maiores conjuntos, o universo e o tudo, vão se encontrar. Ele espera que o centro do universo o receba sem ressalvas, mas apesar de ter sido educado de acordo com regras de comportamento ocidentalmente aceitas, sabe que não tem sofisticação suficiente para os padrões parisienses.

O francês escorreu pelo ralo, blindado está só no diploma da Aliança Francesa de oito anos atrás. O refinamento para a haute-couture, para a nouvelle cuisine, o savoir-faire, esses nunca vieram à tona. A fachada blasé vai quebrar em caquinhos à primeira vista da Notre Dame. A finesse, meu amigo, essa nunca decorou se a ordem dos talheres é de fora pra dentro ou de dentro pra fora, vai só rezar pra que o número de garfos e facas seja ímpar, que ao menos no do meio eu acerto. Também não sabe como quebrar escargot e espetar a lesma, se deve reclamar se alguma coisa no prato se mexer, se o pão se carrega no sovaco esquerdo ou direito. Mas vai assim mesmo, intimidado e inseguro que seja.

O encontro dos dois centros vai durar uma semana. Meu umbigo espera que não cause problemas para o horóscopo de ninguém nem dê nenhum rebuliço em nenhum campo gravitacional. Já Paris não está nem ligando.

6 Comments:

At 12:10 PM, outubro 08, 2005, Blogger Mauro said...

O mais legal em paris (ou não) é perceber que ter cara de estrangeiro não é tão bom lá quanto aqui (mas isso vc já descobriu, imagino eu). Boa Sorte, e não perca as exposições sobre o Brasil, é um país fascinante :c)
 

At 4:37 PM, outubro 08, 2005, Anonymous Anônimo said...

que fofo!

realmente... tive essa sensação de estar no centro do universo (que eu achava que era em manhattan, mas descobri que fica na rue de rivoli mesmo).

e vc vai ficar com o alexandre, lá no Marais? Chiiiiique hein! =)

e logo agora que o pompidou tá com a mega exposição dadaísta... tbem queroooooooo

bjs!
 

At 10:21 PM, outubro 09, 2005, Anonymous Anônimo said...

Poxa... eu confesso que ainda acredito na antiga teoria da Bárbara. Tudo bem que passei muito pouco tempo aí, mas a impressão que tive era de que estava num lugar que já foi o centro de tudo. Eu acho Manhattan muito mais impactante nesse sentido. Mas nem por isso quero dizer que NY é mais legal que Paris. Jamais! :-)
bjs!
 

At 9:22 AM, outubro 12, 2005, Blogger Rodrigo Rego said...

por mais que paris nao seja o centro financeiro que é nova york, acho que o conceito de centro do mundo passa menos pelo business e mais pela sensacao de que a humanidade chegou por aqui ao seu apice, expectativa essa alias confirmadissima ate agora. Mas tambem nunca fui a nova york pra saber...

Quanto a cheirar mal, ja estive cinco vezes no metro e ate agora nao fiquei enojado, acho que é tudo boato. E o que esta tendo de exposicao sobre o brasil aqui é impressionante, o tal do ano do brasil nao é conto do vigario nao...
 

At 5:11 PM, outubro 12, 2005, Anonymous Anônimo said...

Ae Didi...FELIZ DIA DAS CRIANÇAS!!!
Beijinhos
:o)
 

At 7:21 PM, outubro 12, 2005, Blogger Rodrigo Rego said...

caraca, era hoje e eu nem lembrei! tou ficando velho...

brigado mari, vc tb!
 

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Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

rodrego(arroba)gmail.com
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