quarta-feira, outubro 26, 2005

Eu nao gosto de design

Médicos fumam. Dentistas botam aquela máscara no rosto pra esconder os dentes podres. Costureiras usam roupas velhas e arrumadeiras não se acham na bagunça da própria casa. Espetos de pau, os únicos que ainda usam são os ferreiros. E diz a lenda que a contradição cresce exponencialmente segundo a qualidade do profissional, por isso faço muito bem em não gostar de design.

Não compro objetos de design. Nunca escolhi móveis numa loja de decoração chique, não compro máquinas fotográficas por serem bonitas, não endosso uma companhia porque sua marca é sedutora. Capas de livro e CD nunca exerceram sobre mim um poder de atração especial, quando me pego atentando para uma específica costuma ser por puro interesse profissional. Dizem que o design é o diferencial agora que os preços e a qualidade dos produtos se igualaram, dizem tanto que ninguém se lembra da última vez que foi ao supermercado quando repete essa verdade estabelecida pelo cansaço. Pra mim design não é um critério na decisão entre tirar A ou B da prateleira, o critério é preço. Levo sempre o mais barato a menos que haja uma diferença gritante de qualidade. Mas e se o preço e a qualidade forem os mesmos? Levo o que já tiver provado antes. E se os dois forem novidade? Tiro no par ou ímpar. E se o preço não estiver disponível, a qualidade for desconhecida, os dois estiverem igualmente distantes do seu alcance, as informações na embalagem estiverem escritas em alfabeto cirílico e alguém baixar uma lei proibindo o unidunitê? E se, e se, e se; se em algum momento todas essas condições estiverem presentes, o design realmente passa a ser um fator decisivo: levo o mais feio, que provavelmente é o mais em conta.

Também não estou em sintonia com o mundo da moda, não porque queira burilar meu próprio estilo, mas por nem pensar no assunto. Uso qualquer pijama que me aparecer pela frente, derramo geléia em cima e continuo usando. Pouco me interessa o aspecto estético de um produto, não me dizem nada perfumes, relógios, luminárias, nem qualquer artigo que o design tenha ajudado a transformar em mito. E não é por desilusão com a profissão, estou com ela bastante satisfeito, embora o curso, ao habilmente se denominar desenho, acabe cooptando a nós que desde pequenos sonhamos em artefinalizar os quadrinhos da Turma da Mônica. Não que eu tenha entrado desinformado, mas se o nome fosse Projeto Industrial eu não me dedicaria tanto a descobrir do que se tratava.

E gostei do que descobri, não da mística em torno da compra, mas da que envolve o processo criativo, do ambiente saudável que mistura elocubração e prática, da válvula de escape para as idéias amalucadas, dos resultados concretos que podem ficar expostos em qualquer vitrine e dos aplausos pelo trabalho bem feito. Mas comprar que é bom, nunca compraria.

Ainda bem que o mundo não é feito só de pessoas como eu. Se fosse, pessoas como eu estariam desempregadas.

6 Comments:

At 10:17 PM, outubro 26, 2005, Anonymous Anônimo said...

Essa confusão com o nome "desenho" é algo que realmente incomoda, né? Odeio quando vem alguém dizer "ué, mas vc gosta tanto de desenhar, de pintar, como pode não gostar da sua faculdade?". Por mais que a gente explique mil vezes, tem gente que simplesmente não aceita que o que nós fazemos na faculdade é totalmente diferente do que se imagina. É egoísmo da minha parte pensar assim, eu sei, mas que é um porre, é sim!
Muito bom, Rodrigo!
bjs!
 

At 12:13 PM, outubro 27, 2005, Anonymous Anônimo said...

tá, tá! Eu confesso!
Eu gosto muito de design!

Sou esdianazinha, quase ulmiana de tã alemã...

droga... sou muito mainstream... quero me revoltar!

Mas, e aí Rodrigo, melhoraram as coisas no estágio?

bjs
 

At 12:26 PM, outubro 27, 2005, Blogger Rodrigo Rego said...

isso aí bia, quanto menos vc gostar da faculdade, diz a logica do ferreiro, melhor profissional será! Quanto aos nomes, pior é quem sacaneia dizendo que é faculdade de desenho esquema jardim de infancia! Vai meter a mao numa serra de fita pra ver... =)

E gostar de ver design eu gosto, mas ele lá e eu aqui. É legal observar e tal, como estudante claro que dou o maior valor... mas comprar... quaqua!

o estagio continua chato, e vai continuar até esse projeto de carro pra saco de taco de golfe acabar. Depois disso, ainda há esperança.
 

At 3:00 PM, outubro 27, 2005, Blogger Mauro said...

Nem vem que vc comprou um macintosh pela qualidade. Todo mundo sabe que artistas só têm tara por Mac porque é bonitinho.
 

At 12:41 PM, outubro 28, 2005, Blogger Rodrigo Rego said...

O mac é lindo, mas nao foi só isso. Fui um dos últimos a me render à sua qualidade, embora provavelmente um dos primeiros na minha turma a comprar. Ele tem uma interface mais inteligente que a do Windows, mas sim,comprei muito pelo que o mac representa, mas pelo que ele representa para os outros, por mim nao faria diferença. A verdade é que um designer com um mac passa muito mais respeito e profissionalismo que um com um PC. Mal comparando pra vc que é engenheiro, deve ser como uma calculadora HP e uma furreca de camelô.

E, por último, na Alemanha um Mac é mais barato que um PC! Sem essa condicao, eu nao teria comprado.
 

At 3:01 PM, agosto 20, 2007, Anonymous Anônimo said...

Tá horrivel a coisa!

O problema não é o design e seus conceitos, as coisas iniciam e termiam em nós mesmos, complica quando não ganha-mos dinheiro com o que gostamos de fazer, ou simplesmente com o q fazemos!
Será o caso de alguém, por aqui?
 

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Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

rodrego(arroba)gmail.com
+55 21 91102610
Rio de Janeiro

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