quinta-feira, junho 12, 2008

Coisas que se gosta com as entranhas

Toda quinta-feira eu almoço com a minha avó. Nós comemos, sentamos no sofá e vemos TV enquanto o Alzheimer desmancha a sua consciência. Minha vó nem sempre lembra do meu nome, e às vezes esquece o caminho da cozinha para a sala. Mas ela ainda se diverte assistindo de novo e de novo ao show do maestro francês André Rieu.

É um show pavoroso em que o topete horrendo de André Rieu e sua orquestra prateada enfileiram hits de música clássica, musicais da Broadway, valsas e standards americanos. A platéia de aposentados se levanta pra dançar coladinho, um músico equilibra o trompete no queixo, caem balões coloridos, dois tenores brindam com champanhe no meio de the Phaaaantom of the Opera is there. E no final, o palco até então completamente caucasiano é invadido por 20 negros cantando Oh Happy Day.

Minha vó é gente viajada, que já esteve em quatro continentes, e mesmo assim assiste a essa embaixada da cafonice cantando cada música de orelha a orelha. Quando nosso cérebro começa a se acanhar, você descobre do que gosta com as entranhas.

Meu avô, por exemplo, que já foi até crítico de cinema, terminou a vida vendo só filme do Van Damme. Revelou que era porrada o que ele gostava com as entranhas.

E você? O que sobrará no seu caldeirão de preferências quando a consciência crítica definhar? Do que você gosta independente da beleza e da feiúra, do apuro e da tosqueira? Do que você gosta que não seja para montar a pessoa que quer ser? Do que você gosta porque não lhe resta alternativa?

Pode ser que o que sobre seja arte refinadíssima, e pode ser o show do André Rieu, mas não importa. Nas entranhas são todos iguais.

Já vi gente com paixão verdadeira por documentários sobre a segunda guerra. Ou visitas guiadas a fábricas de carros. Aulas de papel machê. Guitarristas espalhafatosos. Nouvelle Vague. Palavras cruzadas. Contos pornográficos.

Fiz uma lista de coisas de que gosto por instinto, que começa por si própria. Segue:

- listas e rankings, principalmente se bem embasados e megalomaníacos. Por exemplo, o livro As 100 maiores personalidades da história, que relaciona personagens importantes ao mesmo tempo em que expõe critérios para a classificação de cada um;
- livros que tenham mapas e linhas do tempo complementando a história. A única coisa que me fascina no Senhor do Anéis é o mapa da Terra Média. Além disso, adoro aquelas plantas baixas com a disposição dos quartos dos suspeitos nos livros da Agatha Christie;
- Lost. Pena que a ilha não tenha um mapa oficial, aí ficaria ainda mais legal (este é um dos não-oficiais);
- Smokey Joe Cafe, um musical com canções da dupla Leiber & Stoller;
- filmes de escola americana, principalmente se no final o nerd ridicularizar os bullies e pegar a prom queen;
- as idas e vindas de Ross & Rachel, que na verdade é um desdobramento do item anterior;
- Blues Brothers, o filme dos irmãos blueseiros com as melhores cenas musicais e perseguições de carro do cinema.

E você, o que sobra se sua cabeça ficar vazia?

* * *

10 Comments:

At 5:23 PM, junho 12, 2008, Blogger Alexandre Van de Sande said...

também convivi bastante com minha vó enquanto via a consciencia dela ir embora devagarzinho. É chato, mas agora que ela já se foi eu penso que valeu a pena todas essas horas awkward jogando dominó e deixando ela ganhar.

Coisa que me orgulhei foi de sempre guardar um registro no papel de meus avós. Meu avê eu desenhei antes dele morrer. Ficou ruim o desenho, mas fiz. Da minha vó anotei em vários cadernos todas as historias da africa que ela me contava. tá lá, guardado..

será que eu ainda vou saber mexer em um computador com as entranhas quando minha mente entrar offline?
 

At 8:08 AM, junho 13, 2008, Anonymous Anônimo said...

Música, literatura, cinema, sempre.

A propósito de Agatha Christie, convido você e a todos para conhecerem dois blogs recém-lançados...

A Casa Torta: O Mundo de Agatha Christie
http://acasatorta.wordpress.com

Cinema é Magia
http://cinemagia.wordpress.com

Um abraço.
 

At 1:00 PM, junho 13, 2008, Anonymous Anônimo said...

Minha vó tbe tem alzheimer, e parkinson. Mas eu a vejo muito pouco, porque minha família toda tá longe. Só sei que as entranhas dela adoram minha prima de 11 anos, que mora com ela. Talvez ela lembre alguém do passado dela.

Eu, nas minhas entranhas, gosto de rock de bundão, de filme água com açúcar, de dicionários e de mapas. Acho que quando eu ficar velhinha vou passar o dia todo no Google Earth.

Bjo.
 

At 1:01 PM, junho 13, 2008, Anonymous Anônimo said...

Minha vó tá nessa também, mas eu nunca a vejo, porque moro longe da família toda. Mas sei que as entranhas dela adoram minha prima Larissa, de 11 anos. Talvez ela se lembre de alguém do passado por ela.

As minhas entranhas gostam de músicas melosas, repetidas e repetidas. E gostam de filme água com açúcar. E gostam de dicionários. E mapas. Acho que vou ficar velhinha e passar o dia inteiro no Google Earth. ;)

Bjo.
 

At 1:02 PM, junho 13, 2008, Anonymous Anônimo said...

Me comentário ficou dobrado. Apaga um deles pra mim?

Bjo.
 

At 4:04 PM, junho 13, 2008, Blogger Rodrigo Rego said...

Eu não, vc acha que vou me dar ao luxo de apagar comentários assim? Até o semi-spam ali de cima ficou...

Mas vem cá, o que é rock de bundão? Mulher melancia rebolando ao som de Born to be wild?

Alexandre, bacana a idéia de escrever as histórias da sua vó, cara. Isso eu já não posso mais fazer.
 

At 6:27 PM, junho 13, 2008, Anonymous Anônimo said...

Como é que eu vou explicar rock de bundão...
Sabe Brian Adams? James Blunt? Counting Crows? Dido? Por aí.
Digamos que é um pop rock que não é nem pop nem rock. Dá pra entender? ;)

Bjo.
 

At 2:32 PM, junho 17, 2008, Blogger Mauro said...

Acho que até os 18 anos eu só gostei de coisas com as entranhas. O gosto intestinal por ler besteira na internet é recente porque eu não tinha internet na época.
Ah, brigar na internet também era bom até o meu cérebro começar a me impedir de fazer isso, mas as vezes eu faço.
 

At 5:41 PM, março 17, 2009, Blogger Unknown said...

Bem, pra falar a verdade, eu também gosto do Andre Rieu. Ele pode não ter um cabelo lá essas coisas, a roupa meio cafona...mas quem não é um pouco? E se você parar pra escutar...o "cara" toca uma barbaridade...
Não gosto dele com as entranhas mas acho legal o que ele faz pela música clássica...São poucos os maestros que tentam popularizar esse tipo de música...
Digamos que eu aprendi a gostar do que ele faz...
Ah...e ele não é francês tá...o cara é holandês...
Um abraço
 

At 6:56 PM, março 17, 2009, Blogger Rodrigo Rego said...

Oi Yara! Pior que de tanto assistir, eu acabei tomando gosto do André Rieu também. Mas você tem que reconhecer que a cafonice impera no show dele!

Concerto de música clássica é chato mesmo, e é legal que ele traga as sinfonias para um contexto mais pop. Mas dava pra fazer com muito mais bom gosto.

Do jeito que ele faz é uma avacalhação - e acho que é por isso que é tão legal!
 

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Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

rodrego(arroba)gmail.com
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