sábado, dezembro 06, 2008

Igrejas modernas vs. igrejas antigas

Visitei recentemente 2 igrejas no Rio: a de São Bento e a da PUC. Por ter estado numa igreja antiga e numa moderna em tão curto espaço de tempo, pude enxergar uma comparação entre os dois estilos que há muito estava latente, e eu não conseguia verbalizar.

O São Bento acabou de passar por uma renovação, que paradoxalmente evidenciou sua antiguidade. Com a pintura do teto revitalizada e o altar mais dourado do que nunca, você entra e não tem como evitar de calar e temer a Deus, ateu que você seja. Não tem como falar no mesmo volume do lado de dentro e do lado de fora.

Já a igreja da PUC está tinindo de nova, não precisa revitalizar nada. É espaçosa, de bom gosto, moderna, lustrosa. Mas mesmo com 400 anos de dianteira na arquitetura, em algum lugar ela se perde. Ela não não emana religiosidade. Tentei enumerar durante a missa os problemas que tornam até a Catedral do Niemeyer em Brasília menos ecumênica que qualquer paróquia do interior.

Arejamento
Foto de Toshio Kishiyama

Igrejas modernas são amplas sem serem vertiginosas. Elas não te diminuem, te valorizam. São frescas e bem iluminadas. Sem ver os túmulos dos velhos abades no piso você não freia o impulso de andar mais rápido, atender o celular. De conversar encostado na porta — pensa na falta de respeito que seria fazer isso no São Bento.

ConfortoFoto de Juliana Gaspar

Já reparou que do Vaticano à capelinha de Tribobó, toda igreja antiga tem bancos iguais? São sempre bancões compridos de madeira, baixos e com assento estreito, e um espaldar quase impossível de se recostar. Desconforto ensina postura e humildade.

Agora as cadeiras são todas acolchoadas. Contei na missa 5 pessoas de pernas cruzadas numa fileira de 10, incluindo eu mesmo. Perna cruzada? Não pode.

Fora o ar condicionado. Devia ser proibida qualquer climatização. Esse excesso de conforto lembra um auditório, e a missa, em consequência, fica com cara de palestra. A atmosfera vai pro ralo, e com ela, o foco e a devoção das pessoas.

TecnologiaFoto de George Strickland

Deviam instituir um lapso de 100 anos entre o lançamento de uma tecnologia e sua adoção dentro da igreja. Agora estava bom pra começarem a reproduzir o programa das missas em folhetinhos mecanografados, por exemplo. Detesto padre com microfone, bandinha com tecladinho e projetor de slides para as louvações.

A tecnologia é uma lembrança constante da realidade e da materialidade, Um ambiente anacrônico é essencial para construir um distanciamento que favoreça o silêncio e a oração.

ArteFoto de Martin Beek

Apesar de as igrejas medievais terem mais reconhecimento artístico do que as modernas, elas não foram concebidas como obras de arte. Observe de pertinho os querubins barrocos de Ouro Preto e você vê como o entalhe é grosseiro, a pintura é borrada e o semblante é creepy. Mas o conjunto é bem maior do que a soma das partes, e é ele que ajuda a transcender.

As igrejas atuais, com suas cruzes minimalistas e imagens cubistas dos santos, transmitem apenas a vaidade do artista. São, portanto, uma lembrança constante de sua natureza terrena.

Música
Foto de Altair Costa, da capa do álbum Franciscan Road

A música carismática que domina as igrejas hoje não é obra da arquitetura moderna, mas deve ser consequência. Ela é um combinado de palavras de adoração soltas em linhas melódicas primárias (claro, com uma ou outra exceção). Quase todo o rito da missa agora é cantado nesse pastiche pop, em vez da entonação característica (aquela do en-nome-de-patre-de-fili-d’-espirictus-sááánti).

Isso dilui o simbolismo do ritual. Tirando a homilia, a missa é toda composta de rituais, uma repetição roteirizada de palavras. Versinhos decoreba tipo:

Por Cristo, com Cristo, em Cristo / A vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo / Toda honra e toda glória, agora e para sempre / Amém!

As pessoas repetem essas fórmulas automaticamente, a missa inteira. As palavras em si, apesar de belas, ficam ocas se não estiverem num contexto apropriado. Têm que ser embaladas por mantras, silêncios, incenso e misticismo para ganharem significado.

Para a Igreja, adaptar a missa a um formato popular é uma tentativa de frear a debandada dos adeptos. Mas perder fiéis é irreversível em qualquer crença hoje em dia. Aquela chantagem que colou por séculos de que quem não pratica a religião vai pro inferno não engana mais ninguém. Até filme cabeça e praia com chuva têm mais potencial de entretenimento do que uma missa, seja ela em latim ou com um padre pop.

Só que a missa em latim com canto gregoriano tinha uma vantagem. Podia ser chato, mas era envolta num cerimonial tão cheio de significado que os fiéis tinham a sensação de estar de fato se comunicando com Deus. Agora, com os ritos diluídos e a arquitetura moderna, o catolicismo vai perdendo não só a popularidade, mas também respeito e relevância.

20 Comments:

At 2:51 PM, dezembro 07, 2008, Blogger Mauro said...

Caramba, dava pra transpor isso para o blog do Pedro Sette Camara que ninguém ia estranhar. Ok, ia sim.
 

At 8:22 PM, dezembro 07, 2008, Blogger Rodrigo Rego said...

Quem é Pedro Sette Camara?
 

At 8:11 AM, dezembro 08, 2008, Anonymous Anônimo said...

Na sua primeira comunhao, no Sao Bento, estava certa, durante a cerimonia com o Canto Gregoriano , que eu tinha morrido e estava no Céu...Tive realmente a sensaçao que conversava com Deus . Inesquecivel!!
O Cerimonial é tudo!!!
 

At 6:19 PM, dezembro 08, 2008, Blogger Mauro said...

É um blogueiro libertário ultracatólico. Isso é possível.
 

At 6:24 PM, dezembro 08, 2008, Blogger Mauro said...

Ah, quanto à arte nas Igrejas. Eu sempre achei que a arte das igrejas era grosseira, mas acho que as igrejas da europa são bem mais caprichadas. As obras do aleijadinho então eu sempre achei um lixo, mas isso sou eu que não entendo nada de arte. O Rubem, por exemplo, mandava muito bem.
 

At 12:25 PM, dezembro 09, 2008, Anonymous Anônimo said...

eu acho que isso diz muito mais sobre a sua visão sobre religiosidade do que sobre religião. Você está descrevendo um mosteiro grego ou um templo indiano, onde o ritual, a tradição, a forma de entoar o hino é mais importante do que o que ele diz, tanto que mesmo que ninguem entenda latim, aramaico ou sanscrito as pessoas continuam seguindo.

No lado oposto a esse estão as religiões que mal se vendem como tal, herbalife, O Segredo, Homeopatia, Física quantica e as suas vibrações espirituais. As missas são realizadas em auditorios, com direito a livrinho-dvd pra acompanhar.

É o foco na mensagem ou na forma dela. Não existe Espiritualidade como constante universal onde voce tem mais ou menos, existem pessoas e cada uma delas é atingida a sua forma.

Talvez o verdadeiro problema de algumas igrejas modernas é que eles deixaram de se tornar padres e se tornaram burocratas, administradores de colégio, empresários e fazem a missa mais preocupados com o que o Patrão (deus e o papa) vai pensar do que arrebanhar fiéis.
 

At 12:48 PM, dezembro 09, 2008, Blogger Rodrigo Rego said...

Certamente eu sou mais tocado pelo formato da mensagem do que pelo seu conteúdo, isso você tem razão. Mas isso sou eu. Concordo que você pode ser seduzido pelos dois lados da moeda.

O problema é que a missa católica não tem quase nenhum conteúdo (a religião católica tem muito conteúdo, lógico, mas a missa em si é só uma repetição de versinhos decoreba).

O forte da missa é o ritual. É ser celebrada numa catedral vertiginosa cheia de incenso e ao som de um órgão de 80 tubos. Quando você abdica desse ritual para popularizar a missa, a falta de conteúdo fica evidente. E a missa fica irrelevante, pois não tem nem um discurso consistente nem um formato sedutor.

O Segredo, conscienciologia, e outras coisas esquisitas não têm ritual decente, nego deve fazer as reuniões com mesa e cadeira de metal da Kaiser. Mas você acha que eles fariam sucesso se cada reunião fosse sempre a mesmíssima repetição decoreba?
 

At 12:52 PM, dezembro 09, 2008, Blogger Rodrigo Rego said...

Mauro, o querubim barroco da foto não é de Ouro Preto, é europeu também. Isoladamente, a arte das igrejas antigas não tem grande valor, mesmo que o entalhe ou a pintura sejam mais bem feitos que os do Aleijadinho (a menos que seja o teto da capela sistina e quetais).
 

At 1:06 PM, dezembro 09, 2008, Blogger Alexandre Van de Sande said...

não é a missa que não tem ritual, é o padre que é desinteressante. Se o padre não tem nada de interessante a dizer poderia estar falando latim que dava no mesmo.

Agora se você acha que a convenção da Herbalife não tem conteudo está enganado. Você é um cara simples e de repente está sentado lá, no ar condicionado, sendo tratado de patrão. Quando alguem compra um desses negocios todo mundo apalude, tem dança, hino, palestras powerpoint falando sobre sucesso e riquezas e como ser um Vencedor o sujeito se sente um rei. Nada em cadeirinhs de metal da skol não..

O ritual só vende outra coisa e se modernizou.
 

At 1:14 PM, dezembro 09, 2008, Blogger Rodrigo Rego said...

Mas o padre é desinteressante porque ele não pode sair da decoreba. Vai numa missa pra você ver.

O único momento em que ele pode sair do script é a homilia. Mas isso são 10 minutos no máximo. A outra hora e meia é repetição de versinhos.

Se dessem espaço pro padre ser interessante, podia até funcionar a popularização da missa, mas como a estrutura não mudou, vira mesmo um trololó chato.
 

At 3:23 PM, janeiro 10, 2009, Anonymous Anônimo said...

o problema e que a homilia, que devia ser a parte interessante da missa, eh o que as pessoas mais acham chato. "Adoro o padre tal, da igreja tal porque a missa dele eh rapidinha. Em meia-hora acabou." Muitas pessoas soh vao a missa porque tem medo de arder no marmore do inferno. Ou por um costume social.
 

At 8:16 PM, janeiro 16, 2009, Anonymous Anônimo said...

Incrível! Você conseguiu explicar o inexplicável! :O

Eu não sou católica. Nem nada. Meus pais nem me batizaram para que eu mesma escolhesse minha religião. E talvez por isso eu tenha curiosidade sobre religiões. Já fui a várias igrejas católicas e vários templos e te digo: a imponência e o ritual fazem a diferença sim. Que o diga o Mosteiro de São Bento que lota todos os domingos.

Na verdade é a formalidade que impõe respeito. E a formalidade é da soma de padre + templo. Não adianta um dos dois dar pra trás que a fórmula não funciona e vc vê fiéis ansiosos e dispersos.

Nossa, dá pra escrever um post nos comentários! rs...

Bjo.
 

At 9:25 AM, janeiro 17, 2009, Anonymous Anônimo said...

CADE VOCE ??????????!!!!!!
ESCREVA LOGO!!!!!!!!
 

At 8:09 AM, fevereiro 13, 2009, Anonymous Anônimo said...

ESTAMOS COM VONTADE DE LER ALGO DIFERENTE SOBRE A SUA VIAGEM !!

QUE PREGUIÇA, HEM???
 

At 1:07 PM, fevereiro 22, 2009, Anonymous Anônimo said...

tá na hora de tirar a poeira daqui, nao?
 

At 1:17 PM, fevereiro 22, 2009, Blogger Mauro said...

É greve!
 

At 5:27 PM, março 01, 2009, Blogger Mauro said...

Não vai falar nada das suas incursões secretas pela Moldávia?
 

At 11:35 AM, abril 21, 2009, Blogger Gil Guigon said...

http://www.dezeen.com/2009/04/21/church-in-foligno-by-massimiliano-and-doriana-fuksas-architects/
 

At 12:00 PM, abril 21, 2009, Blogger Rodrigo Rego said...

Hmm... pra mim cai na mesma categoria. Essa igreja é bem vertiginosa, mas pra mim esse concreto massudo, liso, destrói o clima de religiosidade.
 

At 3:34 PM, setembro 27, 2013, Anonymous Anônimo said...

Para mim que estudo arquitetura gótica. As igrejas modernas não se comparam as grandes catedrais Góticas. Além das catedrais serem muito mais resistentes, grandes, iluminadas e imponentes. As de hoje só tem concreto ferro e cimento, para mim, isso é ridículo. A arquitetura gótica é a mais bela arquitetura de toda a terra(na minha opinião)

 

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Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

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