Banho no Albergue
Avalie a situação. Não é, você pensa, a única alternativa. Você poderia manter-se sujo se quisesse, provavelmente ninguém no estabelecimento que você escolheu para se hospedar (opção sua, nenhuma obrigação ou pressão externa) notaria.
Mas você reluta. Só hoje você percorreu sabe-se lá quantos quilômetros, mais do que seus pés gostariam de ter andado. De maneira nenhuma você o fez por esporte, pelo gosto do exercício físico, mas tão somente pela relutância em gastar dinheiro com o transporte público da cidade. E agora não só eles, os seus pés, como também todo o seu corpo exaurido exige a recompensa pelos serviços prestados à sua curiosidade turística e cultural. Você abre a porta.
O banheiro é um cubo oco forrado por dentro de azulejos brancos que, quando inteiros, só ressaltam a negligência dos proprietários. O espaço de locomoção é exíguo, e para se despir você se decide por sentar-se no vaso sanitário para ter mais área de manobra. Ou talvez, opostamente, o ambiente que se descortina ao seu redor seja um amplo toalete comunitário, com chuveiros, pias e privadas enfileiradas, e nesse caso você dispõe de vasta liberdade, mas ainda assim a usa com parcimônia.
Você pendura a toalha na porta do box, posto que há um box e uma porta por onde ingressar nele, e envolve a roupa limpa na usada, de modo que a última proteja a primeira dos respingos que certamente cairão durante o banho. Você retira da necessaire os artigos que lhe serão importantes quando a água começar a correr. A caixa do sabonete você acha só usando seu sentido táti, mas onde está o xampu? Você procura, reflete sobre onde poderia tê-lo deixado, pensa em voltar ao quarto para pegá-lo. Mas não se aflija. Assim como você esqueceu de trazê-lo, há sempre alguém que não se lembrou de levá-lo de volta, e você vê, bem ao lado dos seus pés, o xampu que usará hoje. Sim, talvez não seja como o seu, do tipo dois em um, ou anticaspa, ou para cabelos quebradiços, ou qualquer que sejam as exigências que seu sensível couro cabeludo requer, mas é só um dia e mal não lhe fará. Desfeita a preocupação, você em seguida calça os chinelos que evitarão que qualquer tipo de micróbio adormecido nas poças residuais se aproveite para se instalar entre seus dedos, provocando frieiras, micoses e outras doenças que você não terá prazer em conhecer.
E então você liga a água. Ela vem numa ducha lancinante que provoca um susto frio em seus ombros, ao qual você responde girando quatro vezes a torneira de água quente e se refugiando num canto seco do exíguo box de que dispõe. Com o pé, vai controlando a temperatura da água, esperando pela sua gradativa subida. O ponto ideal chega, você se coloca de novo debaixo do chuveiro e começa a sentir a água morna limpar-lhe os poros, agradavelmente deslizando o suor ressecado pelo ralo. Mas um instante. A água que antes lhe molhava os ombros agora vaporiza assim que os atinge, eliminando a sujeira não mais por escorrimento mas por incineração. Você rapidamente destorce a torneira de água quente e reabre a fria, mais uma vez escorando-se na parede do box enquanto a nova mistura não surte efeito. A medição mais cautelosa com o pé lhe diz que a água atingiu agora a temperatura ideal.
Você sabe que a fórmula da ducha perfeita não leva em conta só o balanço correto entre a abertura das duas torneiras, mas também o quanto é liberado por ambas no total. Às vezes a temperatura agradável é atingida ao custo de pouca água despejada pelo chuveiro, e é exatamente esse o seu problema agora. Ela cai em volume tão pequeno que se atrai juntando-se num fio grosso que explode na sua cabeça e costas sem distribuir-se pelo corpo. Mas você sabe que não adianta abrir mais um pouco a torneira, pois a temperatura da água não segue uma lógica proporcional, e levando-se em conta que só em casa você tem perfeito controle sobre as artimanhas do chuveiro, e que alguém já bate na porta avisando que outras pessoas também pagaram pelo direito de utilizar o espaço, você resolve deixar as restrições de lado e começa a se ensaboar. Abrindo mão do asco e da frescura, se purifica para um novo dia de turismo das cavernas.
4 Comments:
At 1:00 PM, agosto 25, 2005, Rodrigo Rego said...
é um patchwork com vários deles... mas o que a gente ficou em rotemburgo foi luxuoso perto do que eu já enfrentei!
SENHORES, o blog andou tendo probleminhas com SPAM, entao adicionei uma ferramenta chamada WORD VERIFICATION, para garantir que nao vamos mais nos esquentar com isso. Quem quiser comentar a partir de agora vai ter que ler uma palavra, considerava ilegível para um computador, e escrevê-la corretamente no espaco apropriado - e só assim o comentário é publicado. Percalco menor que nao deve atrapalhar ninguém.
At 11:05 PM, agosto 26, 2005, anouska said...
oi, rodrigo, sou eu de novo. teu blog é muito interessante. acho que não tenho mais pique pra albergue, já tentei, mas essa coisa de não ter banheiro no quarto é a morte. prefiro ficar em pensões (quando existem), onde eu não tenho que sair carregando mil coisas. []s, cristiane
At 8:41 PM, agosto 27, 2005, Mauro said...
De onde vc tirou exíguo? Eu a essa altura já tinha esquecido meu portugês faz tempo, e ainda não encontrei. No Canadá eu notei que nenhuma torneira era igual à outra e emgeral era uma torneira só que controlava a vazão de água fria e quente. Aparentemente porque nem todas as pessoas tem a inteligência necessária para controlar a abertura das torneiras com a eficácia de um controlador PID. O chuveiro da minha casa tinha apenas uma torneira que ia de mais quente a mais frio, com uma vazão total constante. Isso é trabalho de designer?
At 4:30 AM, agosto 28, 2005, Rodrigo Rego said...
pensao eu nao vou, os quatro ou cinco euros de diferenca no preco nao incentivam (aqui farroupilha!)
a coisas mais inteligente sao as torneiras que uma controla a temperatura e a outra, a vazao de água, mas parece objeto ausente das hospedarias europeias em geral.
Aliás, pra falar a verdade, eu nunca vi uma dessas ao vivo, só ouvi falar. Será lenda?
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