domingo, agosto 14, 2005

Um Ato Patriótico

Ontem comprei dois livros sobre Budapeste e Viena, pra onde parto segunda-feira agora. Livros de viagem aqui sao bem baratos, deu oito pratas cada um com mapa e fotos coloridas, e olha que eu nem escolhi os mais em conta.

Já mencionei que nao sinto saudade do Brasil? Eu sei, nao tem nada a ver com o assunto de cima, mas tem. Porque mesmo sem sentir saudade, fiquei vendo na outra prateleira os livros que falam sobre o Rio, e mesmo sem querer voltar, nao pude evitar aquele nó na garganta.

Vocês sabem como é livro de turismo. Relanceei uns oito, sempre o mesmo papinho: "Rio, a cidade sexy da luxúria e da festa", "tomar caipirinha vendo o pôr-do-sol no Arpoador", e segue nisso. Clichê, clichê, clichê, mas ponha-se no lugar de um turista alemao. Cultura típica na Europa sao pessoas dancando aos pulinhos em roda, segurando a ponta da saia com os dedos e festejando a colheita da uva. De um país pro outro muda só o formato do chapéu. Compare isso com a riqueza de um ritual de candomblé, uma roda de samba, um desfile de carnaval. Sao estereótipos, eu sei, mas nao serao os estereótipos simplesmente as pontas mais visíveis de um estilo de vida próprio, independente e radicalmente diferente em suas metas do estilo euro-americano?

Se nós, classe média e vizinhos de cima, insistimos em taxar as figuras do carioca malandro ou da mulata sensual como retratos incompletos que escondem um país de violência e desigualdade, se enxergamos no tal jeitinho brasileiro só a enorme ineficiência que ele gera, talvez seja porque os estejamos julgando por padroes alheios à cultura que os produz. Talvez nós, classe média e vizinhos de cima, nao facamos parte, afinal, da cultura brasileira. O povo, se nao está feliz com o que tem, ao menos sabe que nao poderia viver em lugar onde o futebol nao se confundisse com religiao, sem os onibus a caminho da praia cheios de gente pendurada nas janelas, sem as filas do INSS em que a Dona Maria arma o barraco quando vê alguém furando.

Nao estou aqui pra louvar a pobreza, eu nao gosto de nada disso. Mas como disse, sou parte dessa classe média que se espelha na Europa, lê bons livros e escuta boa música, e portanto quer distância de um estilo de vida que nao preze a eficiência, a organizacao e o progresso. O estilo brasileiro é lindamente divergente, mas admiro-o mais ou menos como os ativistas do Greenpeace admiram a Amazônia. A natureza feliz lá, e eles felizes em seus escritórios em Londres.

Tirando a miséria abjeta e a violência galopante, o Brasil devia ser conservado do jeito que é, antes que porventura se entregue ao que já nao assimilou da cultura dominante. Do lixo nas ruas à tarde de sábado na praia, dos flanelinhas à corrupcao na política, da indignacao com a corrupcao à cervejinha do guarda, dos cânticos de guerra das torcidas à pátria unida comemorando um gol da final da copa. É assim que o país é, e é o que o faz ser único e celebrado no mundo. Qualquer ingrediente a menos, removido a título de consertá-lo, só faz desandar a mistura.

Mas por nao gostar do sabor do bolo final, me sinto, com meus ideais europeus, meio predador, meio espiao contribuindo involuntariamente com a ruína da própria nacao. É por isso que esse auto-exílio na Alemanha nao deixa de ser um ato de patriotismo

3 Comments:

At 11:12 PM, agosto 14, 2005, Anonymous Anônimo said...

Ao contrário do que a propaganda ufanista diz, o pior do Brasil é o brasileiro.
 

At 6:41 PM, agosto 16, 2005, Blogger Rodrigo Rego said...

um comentário dúbio o seu, eu diria.

foi uma critica a minha tese (que apesar de tudo é um elogio ao Brasil) - e ai no caso o brasileiro referido ée o povo mesmo -, ou vc tá concordando? Porque ai o brasileiro referido seria eu.
 

At 8:24 PM, agosto 27, 2005, Blogger Mauro said...

Eu acho que o Brasil é o único país onde se diz 'Os incomodados que se mudem'. Não sei dizer se concordo com você.
 

Postar um comentário

Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

rodrego(arroba)gmail.com
+55 21 91102610
Rio de Janeiro

Melhores Posts
Posts Recentes

Powered by Blogger

Creative Commons License