quarta-feira, setembro 14, 2005

Design do Imponderável

Milhares de macaquinhos, em milhares de computadores, sapateando infinitamente nos teclados e digitando incongruências que milhares de impressoras não param pra respirar. É de se esperar que, em algum ponto dessa eternidade hipotética emerja do caos um poema épico, com rima e métrica perfeitas, ou uma grande saga, repleta de aventuras como a criatividade humana jamais concebeu, ou mesmo uma única frase, tão concisa e brilhante que produza em seu leitor um turbilhão e lhe abra caminhos para novos universos.

Ou ainda um único computador, capaz de num espaço definido de tantos por tantos pixels, arbitrar para cada um deles a esmo uma das 256 cores do espectro disponível, produzindo sem parar imagens saídas dessa combinação. Não há dúvida de que, prosseguindo indefinidamene na tarefa, conseguirá em algum momento um simulacro perfeito da Monalisa, ou ainda uma obra original, de beleza tão extraordinária que jamais fora antes concebida por nossa imaginação.

O mesmo para ratos passeando num piano, ou um elefante com um pincel na tromba. Todos modelos teóricos de que o acaso sozinho poderia, se dispusesse de tempo suficiente, produzir as maiores obras primas da História. Mas mesmo pra quem não tem um minuto a esperar, o imponderável também apronta. Quantas vezes a impressão que falhou acabou melhor do que o original? A fonte que abriu errado no computador vizinho se saiu mais elegante do que a pensada? Ou o pote de tinta derrubado sobre o rascunho? Lembro de um trabalho com estêncil feito há dois anos, em que o meu melhor resultdo não foi nenhuma das dezenas de ilustrações mascaradas produzidas, mas sim o próprio papel usado para mascará-las, colorido com o acúmulo de camadas de tinta sobrepostas ao acaso.

Acho que temos muito a ganhar valorizando pequenos acidentes decorrentes de um projeto de design, e até incentivando-os. Comecei a atinar pra isso, e já até comentei tangentemente no segundo post desse blog, ao me deparar com a cidade de Amalfi, na Itália, certeza que permaneceu ao visitar outras cidades medievais européias. A total ausência de planejamento urbano fez com que Amalfi crescesse caoticamente, de todas as formas e para todos os lados, mas nem por isso perdendo a beleza - pelo contrário. Seu charme está em cada canto ter suas nuances e surpresas, sem a previsibilidade de uma cidade planejada. Quem chega constrói sua casa onde achar espaço, a única regra é a do cada um por si. É praticamente uma rerodução do método da natureza, que baseado no randômico das mutações e no individualismo do mais adaptado sobrevive, propicia as fantásticas paisagens do planeta.

Será possível aplicar método semelhante a um projeto de design? Fiz um experimento sobre o tema, que na verdade começou como pura babaquice, mas em função do resultado tão sensacional, resolvi chamar de experimento. Ele pode ser visto no meu multiply, Haus in Heidelberg, dentro do álbum "Fotos da Letícia". Consistiu tão somente em bater fotos da minha irmã, querendo ela ou não. Portanto tinha eu o meu interesse (tirar a foto), ela o dela (me impedir), ambos desempenhados com ardor, e o fator acaso residia na posição da câmera quando a imagem fosse capturada. O resultado foi pra mim espantoso: não considerei nenhuma das iamgens desinteressante, e pelo menos três das catorze tinham enquadramentos geniais. Sem falar nas expressões da Letícia, muito mais autênticas que o burocrático sorriso de foto. Esse método já é, de forma menos radical, disseminado entre fotógrafos de moda e publicidade, que sempre pedem que as modelos, em vez de pararem numa pose, ajam naturalmente enquanto ele clica. Uma das muitas fotos sempre sai com a expressão ideal.

Estudar formas e estratégias de incentivar, facilitar e até forçar o acaso em projetos de design gráfico; descobrir em que temas e áreas de atuação o método se aplicaria melhor; entender até onde se deve seguir com o imponderável e em que momento é melhor voltar à tradição. Se me for permitido, e eu tiver culhão para ir adiante com algo tão diverso e inseguro, me parece um ótimo assunto para o trabalho final ano que vem.

7 Comments:

At 10:54 AM, setembro 14, 2005, Anonymous Anônimo said...

meu caro Rodrigo imponderalvel e culhão trabalham juntos manda braza que o caminho é correto.Me pergunto como vc administra teu tempo pois escreves magnificamente ou melhor pensa, olhas e vees,e a sensibilidade aflora inexoravelmente.forte abraço do Zúñiga
 

At 1:49 PM, setembro 14, 2005, Blogger Mauro said...

Cara, eu também gosto de tirar fotos espontâneas de pessoas, já que as fotos posadas que eu bato sempre ficam horríveis (em comparação com as de paisagem). Talvez seja este o segredo da mulher na máquina de coca cola do metrô que fez tantos admiradores no Rio de Janeiro sem ser tãaaao linda assim.
Lembro também do meu relatório que tirou nota 19.5/20 mesmo quando os resultados foram totalmente inválidos.
 

At 2:33 PM, setembro 14, 2005, Blogger Rodrigo Rego said...

po mauro, em engenharia é diferente, né nao? se o relatório só tem resultado inválido e o cara te dá 19.5 em 20, nao foi o cara que corrigiu errado? e as fotos da minha irma nao foram lá muito espontaneas, foram meio enfiadas goela abaixo mesmo... =) Mas sao muito boas as suas fotos, bem melhores que as minhas.

Zuniga, brigadao, estou honrado que vc continue acompanhando aqui! Tempo agora tem bastante, tou de férias... quando voltar com aula e comecar estágio é que o buraco vai ser mais embaixo! Abracao!

falando em fotos, postei toda a dinamarca no multiply. o link é Haus in Heidelberg, à direita na página principal do desembolog aqui.
 

At 9:16 PM, setembro 15, 2005, Anonymous Anônimo said...

passei por aqui....
to amando o seu blog
bjos
lety
 

At 1:38 AM, setembro 17, 2005, Anonymous Anônimo said...

Po, Rodrigo... acho q isso seria um excelente tema! E é bem a sua cara ^_^ Só cuidado com quem vai escolher como orientador... hahahahahaha ^_^
bjos!!!
 

At 2:50 PM, setembro 23, 2005, Blogger Mauro said...

Ah, o cara não corrigiu errado não, foi uma nota bem merecida. E ainda encontrei uma falha lógica nisso que vc está dizendo. Só pelo fato de um conjunto ser infinito, não necessariamente ele deve conter outros conjuntos (sejam eles finitos ou infinitos) então os seus macaquinhos podem digitar pra sempre sem jamais escrever uma frase que faça sentido. Também não é impossível que em todo o universo infinito, só o nosso tenha vida, etc.
 

At 12:34 PM, setembro 28, 2005, Blogger Rodrigo Rego said...

po, tem razao... assim como a quantidade infinita de numeros fracionados entre 0 e 1 nunca vai incluir o 2, certo?

me pegou agora, ainda bem que meu projeto nao depende disso.
 

Postar um comentário

Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

rodrego(arroba)gmail.com
+55 21 91102610
Rio de Janeiro

Melhores Posts
Posts Recentes

Powered by Blogger

Creative Commons License