sábado, setembro 17, 2005

Mais um manifesto

Circula uma piada no prédio de Belas Artes da UFRJ que diz que um artista frustrado acaba virando designer. Nao vou entrar no mérito de quem ganha mais, quem tem menos chance de virar camelô depois dos estudos ou quem é mais útil pra sociedade. Mas tirando isso, os designers têm sim muito o que invejar nos artistas.

Sao duas carreiras que requerem as mesmas inteligências, as deles muito mais desenvolvidas que as nossas. Composicao, harmonia de cores e formas, referências visuais, entra tudo no sopao de habilidades comuns a ambos, com a diferenca de que a nossa criacao vem cerceada (e portanto, simplificada) por uma série de convencoes e elementos já prontos (fontes, fotos, desenhos, filtros de Photoshop), enquanto a deles é absolutamente original.

Nao é difícil encarar um quadro como um projeto também. Mesmo se sua funcao maior é enfeitar parede de museu, isso nao o liberta dos fantasmas que também nos assombram, como estética, equilíbrio e prazos de entrega. Os do artista sao até mais apavorantes, e como quanto maior a cerca maior o pulo, geralmente mais bem exorcisados.

Longe de mim concluir com isso que o design é sempre inferior à arte, acho até o contrário. Teoria minha: os artistas encontraram um primeiro beco sem saída com a invencao da fotografia, e tiveram que se desvencilhar da representacao fiel da realidade como seu ideal único. Os primeiros quadros que deliberadamente nao faziam o possível pra parecer com o mundo real chocaram o público. Alguém gostou da reacao e resolveu que chocar o público seria a nova meta da Arte - quanto mais madames ultrajadas, melhor. Seguiram-se alteracoes de cor, forma e perspectiva, paródias, ready-mades e até a volta à representacao fiel, mas depois que um cara sangrou até morrer e teve a performance aplaudida, e um outro espalhou merda na cara, se esfregou numa tela e chamou de pintura, nao tem mais muito território pra surpresas. A Arte entrou num novo beco. E a solucao é, quem sabe, o design.

Há algum tempo, já sao feitos livros e exposicoes sobre o trabalho de designers renomados, catálogos e coletâneas com os melhores cartazes, capas de livro, sites, cadeiras, luminárias. Desvinculados de seu uso comercial, esses itens ganham um caráter exclusivamente artístico, e estando a Arte em crise, por que nao proclamar o design como o novo caminho? A meta deixa de ser chocar o público e se torna incluí-lo num mundo esteticamente rico, antes mesquinhamente restrito ao artista, esse incompreendido, tadinho.

Para legitimar essa transformacao precisam mudar duas coisas na atitude do designer. A primeira é a postura birrenta de que designer nao é artista, apenas por dirigir o seu talento ao mercado. Se, devido às restricoes que por conta disso enfrenta, é algo a mais também, melhor pra gente. Mas nao deixa de ser artista por isso. A segunda é se desapegar das manias que fazem a gente escapar de ser artista. Todo aluno de design, por algum complexo de inferioridade em relacao às carreiras "sérias", se agarra em disciplinas como ergonomia e tipografia, e proclama que "nós também temos teoria!" Mas tenho a impressao de que quem se dedica a fundo no estudo dessas matérias, quem decora as relacoes ideais entre tipo e entrelinha, ou memoriza os ângulos de cada uma das vértebras, quem acha que o mais importante no projeto de um livro é definir o aproveitamento de papel - quem pensa dessa forma é porque se sente incapaz para aquilo que realmente interessa.

O bonito das inteligências referentes à estética de uma forma geral é a impossibilidade de enumerá-las em regras, burramente aprendidas e aplicadas por qualquer burocrata. Portanto, nada de sair limpando as viúvas do texto ou ajeitar todos os trappings e depois pensar que teve uma tarde produtiva. Vamos dedicar mais tempo aos detalhes conceituais e estéticos, e menos às tecnicalidades. Vamos bater nossas próprias fotos, fazer nossas próprias ilustracoes, projetar nossas próprias fontes, quem sabe até nossos próprios materiais. Vamos deixar de ser artistas nao pelo que por comodidade temos a menos, mas pelo que por definicao temos a mais: capacidade de tornar o que é bonito assimilável por todos.

14 Comments:

At 9:43 AM, setembro 17, 2005, Anonymous Anônimo said...

Tá... mas vejamos uma diferença bááásica:

- os artistas embora queiram vender suas obras,têm como objetivo a auto-expressão, o comentário pessoal. Ótimo, beleza.

- os designers, têm que vender/comunicar/instruir/etc, e atingir os objetivos de outra pessoa. Sério, isso faz toda a diferença do mundo. Se colocar no lugar no outro desse jeito é um exercício de humildade que os artistas não podem passar mesmo (pq senão não teriam sentido de existir) e que os designers têm que fazer por principio. E é difícil pra cacete! (Tá, eu acabei de acordar, num sábado, e já me estressei com um cliente...)

Mas, é o que, na minha opinião, faz o trabalho de designer ser foda. É ter a habilidade de resolver o problema dos outros. Ser "artista" é muito bom, mas não tem como negar que é muito melhor ver que o seu folheto ajudou o cara a vender muito mais sanduíches. Ver que o jeito que vc diagramou aquela matéria fez com que as pessoas quisessem ler.

O designer precisa perder o preconceito contra o artista sim. E contra o publicitário tbém. A nossa vantagem é pegar o melhor dos dois lados, ora bolas!

E viva o design!

Grüße
 

At 12:07 PM, setembro 18, 2005, Blogger Rodrigo Rego said...

assino embaixo, bárbara!

mas porque arte passa necessariamente pelo conceito de autoexpressao? Porque o que a gente faz nao pode ser considerado arte tambem? A arte no sec XV nao era auto-expressao, era sempre encomendada, tinha a funcao de enfeitar igrejas ou aumentar o prestigio do mecenas.

chega da ditadura do artista incompreendido que só ele sozinho conhece a verdade!
 

At 7:43 PM, setembro 18, 2005, Anonymous Anônimo said...

Ainda bem q eu tô animando... hahahahahahahaha ^_^ Mas onde é q eu fico no meio dessa budega toda... animar é arte? E aí Rodrigo, qual é o seu parecer? ^_^
 

At 7:45 AM, setembro 19, 2005, Blogger Rodrigo Rego said...

Pra mim, claro que é!

Design é arte, animacao é arte, toda e qualquer arte aplicada é arte e esse aplicada que vem depois é só um detalhe.
 

At 10:11 PM, setembro 19, 2005, Anonymous Anônimo said...

A primeira coisa que eu lembrei quando li o seu post foi uma pixação que eu vi há um tempo nos tampumes do Museu Nacional de Belas Artes, em obras: "Adote um artista antes que ele se torne um designer". Lamentável, não?
Concordo com a Bárbara quando ela diz que o artista trabalha para satisfação pessoal (tá, nem sempre) e que o designer é mais voltado para o capitalismo. Mas daí a achar isso foda... sei não!
Na minha humilde opnião, o ideal seria se pudéssemos concilicar ambas atividades. Afinal, artistas também precisam de renda, e designers de liberdadade (sem querer fazer frase de efeito, pq eu odeio essas coisas)!
 

At 10:13 PM, setembro 19, 2005, Anonymous Anônimo said...

opsss!
"tapumes" ao invés de"tampumes"!
 

At 8:56 AM, setembro 20, 2005, Anonymous Anônimo said...

É.. bom... sei lá.

É que eu acho essa "falta de liberdade" um desafio. E tbém garante o espírito de novidade, de renovação. Se a gente trabalhasse só pra se expressar, ia acabar caindo na mesmice. Como a gente tem que fazer um trabalho nascer sempre de clientes diferentes, com necessidades e desejos diferentes, nossos trabalhos são sempre uma novidade, um novo desafio.

E... eu admito... me formei em publicidade na ufrj antes de entrar pra esdi... vivo em uma dicotomia... =)
 

At 10:12 AM, setembro 20, 2005, Blogger Rodrigo Rego said...

legal a discussao, porque nos obriga a formular uma opiniao sobre algo que a princípio fica meio solto na cabeca. Discutindo vc reúne seus argumentos e concatena numa ordem lógica, cria uma "tese" e tem algo em que se apoiar. Quem quiser chamar de ideologia pode chamar.

Lendo os comentários de vcs, formulo minha opiniao sobre o tema, nao acho que ninguém deva ter a mesma nao, é só como eu encaro.

Noventa e nove por cento do que é produzido em arte hoje nao me diz nada. Se antes os caras procuravam novas formas de alcancar a "beleza", agora a maioria só expoe fotos de coisas nojentas e faz protestos em relacao a alguma causa, em forma de esculturas abstratas ou videos chiados. Acho que esse caminho nao leva a lugar nenhum.

Mas acho que o caminho de buscar a "beleza" fundamental, e ainda tem muito a ser explorado, e vejo os designers perseguindo muito mais esse ideal do que os artistas, até porque um trabalho comercial nao tem o direito de ser feio. Entao, se pra mim o design é a saída pra arte, é menos por mérito próprio e mais porque a arte se enclausurou.

Mas também nao apóio o design que nao procura a beleza e se contenta com o funcionalismo e o minimalismo. Pra mim isso é preguica e falta de criatividade. Agora como os designers vao atingir seu objetivo, se é pela autoexpressao ou pelas restricoes dos clientes, dá no mesmo. Quem tem algo a dizer nunca se repete, e direciona a criatividade de acordo com os limites do projeto.

E de novo, pra mim na verdade é tudo arte. Nao tem nada a ver com autoexpressao. Na verdade ela já tá subentendida na medida que quem tá fazendo é você.
 

At 10:12 AM, setembro 20, 2005, Blogger Rodrigo Rego said...

Agora essa do tapume do Belas artes... po Bia, se o cara fosse artista mesmo ia arrumar uma forma melhor de nos dar essa sacaneada! Poderíamos responder: "adote um designer antes que ele vire um pichador de tapume."
 

At 11:47 AM, setembro 21, 2005, Anonymous Anônimo said...

êêê! discussão é legal! mesmo pra quem só tá lendo e não escreve nada!

então, um livro pra vc (e pra todos, claro):

Nature of Order, do Christopher Alexander

É sobre a busca da beleza, e como toda a nossa visão das coisas está equivocada. Está mudando a minha visão do design, certamente.

Procura lá na biblioteca da Fh, que com certeza tem.

Grüße!
 

At 9:40 PM, setembro 21, 2005, Anonymous Anônimo said...

Aliás, por falar nisso, alguém aí já leu o tal "História da Beleza", do Umberto Eco? Tô namorando esse livro há muito tempo, mas tô tão enrolada... :-(
(esse negócio de fazer projeto final e estagiar nos "emburrece" um pouco! rs... além de acabar com a nossa vida social)
bjos!
 

At 10:08 AM, setembro 22, 2005, Blogger Rodrigo Rego said...

melhor ainda nas discussoes é a possibilidade de recordes, ia botar o próximo post que tá pronto já tem uns dois dias hoje, mas de repente adio só pra ver se a gente bate os dezesseis do "enterrem o goebbel" aqui. Alguém se habilita a ajudar aí??

vou procurar o livro do Alexander, mas a biblioteca aqui é meio limitada. Fiquei curioso pra saber o que tem de tao equivocado na nossa visao.

e o do umberto eco, eu quase dei pra mim mesmo de presente no natal passado, mas o preço e a opiniao sobre ele que eu li me desanimaram. Se bem que a opiniao era só um blablá de um mané qualquer da Veja, nao garante muita coisa. Bia, acho que espero vc comprar e depois pego emprestado =)

voltando ao assunto recordes, se esse nao ganhar por número certamente está ganhando por quilometragem. hoje eu boto o outro post, aproveito que estou na faculdade agora.
 

At 6:33 PM, setembro 22, 2005, Anonymous Anônimo said...

Tá bom, tá bom, Rodrigo!
Eu vou comprar!
bjo!
 

At 1:06 PM, setembro 23, 2005, Blogger Rodrigo Rego said...

pô cara, já estou seco pra ir no pompidou. apesar da minha desconfianca em relacao a arte contemporanea (nao toda a arte que a gente está discutindo aqui, só a que se denomina como tal). os museus em berlim sao muitos, mas em grande parte um saco.

vou te já estive em alguns museus de design e nunca consegui me empolgar. sei que estou contradizendo tudo que defendi antes, mas nao consigo ver cadeiras e estantes como objetos a serem expostos em museus. é estranho um objeto de uso cotidiano ficar exposto para veneracao assim, acho que ele cumpre melhor sua funcao numa sala de estar. sem tirar nenhum mérito artístico de sua criacao, claro. foi meio advogado do diabo esse último parágrafo ou é impressao?

bia, lê e depois me manda um resuminho sublinhado com figuras!
 

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Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

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+55 21 91102610
Rio de Janeiro

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