quinta-feira, novembro 23, 2006

Continente

Normalmente não participo de concurso. Três motivos: falta de tempo, desinteresse pelo prêmio e excesso de concorrentes. O primeiro é uma constante, os outros dois são inversamente proporcionais. Se for boa a recompensa, enche de candidato, mas se ninguém se apresenta, não sou eu que vou me afobar por uma raspa do tacho qualquer.

A exceção foi esse concurso para escolher a marca da Proantar. Deste eu participei, porque o prêmio era muito atraente, sem despertar a cobiça de muitos outros postulantes. Proantar é o instituto brasileiro de pesquisas na Antártida. O prêmio era uma viagem para lá.

Hoje eu gostaria de ter todos os álbuns dos Beatles e de botar o pé em todos os continentes. Não vejo outra razão para alguém querer visitar a Antártida, por isso achei que tinha boas chances. Não que esse tipo de público deva ser desprezado. A maior parte da receita turística de Liechtenstein, por exemplo, vem de viajantes que se desviam da estrada entre a Áustria e a Suíça para tirar uma foto no principado. Não é pouca gente. Mas eles têm que saber fazer uma marca. E têm que saber fazer melhor do que eu.

Tirei segundo lugar no concurso. Recebi uma carta que dizia, parabéns, sua marca foi selecionada, use o código em anexo no guichê da TAM para confirmar sua reserva no vôo para Brasília. Embarquei. Quando cheguei me levaram a uma sala de reuniões. Numa das cadeiras estava sentado um cara um pouco mais velho do que eu, que tinha o topo de uma das orelhas decepada, e penteava por cima tentando disfarçar. Logo depois chegou um outro que disse que era do marketing, e que as duas marcas eram ambas muito boas, eles não souberam se decidir. Eu supus então que o camarada sem orelha era meu adversário.

Vou distribuir os testes, o cara do marketing disse, e quem apresentar respostas que batam mais com o perfil da Proantar ganha.

Eles não conseguiram optar por nenhuma das marcas, aplicam uma prova. Vamos lá. Primeira questão: ursos polares comem pingüins?

Pegadinha. Minha resposta: não, pois um vive no polo norte e outro no polo sul.

Resposta do sujeito sem orelha: sim, pois apesar de habitarem polos opostos, um urso polar, se posto em contato com um pingüim, vai comê-lo.

Babaca. Segunda questão: se a Antártida se tornasse independente, em quem você votaria para presidente? A- Al Gore, B- Alan Greenspan, C- Miguel Ethinique.

Marquei B. Pelo nome, achei que tinha alguma coisa a ver com ecologia. Ele marcou A, já tinha visto o filme. Pelo menos não escolhi a letra C, o presidente da Brastemp. Acho que teria sido desclassificado. CFC.

Terceira questão: Qual é o seu filme favorito sobre a Antártida?

Filmes na Antártida? Gosto daquele comercial da Hollywood, os alpinistas escalando um iceberg para fumar. Ele colocou “La marche de l’Empereur”, escreveu até em francês, o filho da puta.

Quarta questão: Que ator de filmes de ação seria o mais indicado para proteger a Antártida?

Me senti brilhante: Arnold Schwartzenegger, que interpretou o Mr. Ice num filme do Batman.

A resposta dele: Steven Seagal. Nada de heróis de metralhadoras, elas danificam as geleiras. Dos praticantes de artes marciais, Seagal é o mais discreto, é mestre de aikido. Grita menos e o impacto com o solo depois do pulo é menor. O ambiente agradece.

Depois reparou que eu via por cima do ombro as respostas dele:

– Professor, ele tá colando!

– Eu não sou seu professor. Faz a prova – disse o cara do marketing.

– O quê? – disse o sem orelha.

– Faz a prova e fica quieto.

– O quê?

– Ele mandou você calar a boca.

– O quê?

– Olha que eu desclassifico os dois.

Eu não acredito que um camarada assim possa ter feito uma marca tão boa quanto a minha. Ele era o quê, membro de algum fã-clube do polo sul? Como é que sabia tanta coisa? Será que a mãe dele ficou com raiva por ter tido um filho só com meia orelha e o prendeu no quarto estudando geografia pra ganhar dinheiro às suas custas em programas de crianças-prodígio nos Estados Unidos? Ou perdeu a orelha brigando com o pai bêbado que vomitou em cima do seu atlas?

Quinta questão: se para poder viajar à Antártida, você tivesse que se privar de um dos cinco sentidos, qual deles descartaria?

Resposta dele: Audição. A surdez é até vantajosa, pois o contraste da paisagem bruta com o silêncio absoluto aumenta o impacto da experiência.

Esse cara tem algum parente na empresa, não é possível. Escrevi, só de implicância, de todos os sentidos só não abro mão da audição. Eu não existo sem meu iPod.

Sexta questão: se viajar pra lugares exóticos fosse um passatempo infantil, qual seria?

Resposta dele: um caça-palavras. As maiores surpresas estão na diagonal invertida.

Eu: O mundo é um álbum, os países são as figurinhas. Completou, guarda no armário, só não dá pra trocar repetida.

Acho que essa última questão me fechou as portas definitivamente. Melhor. Parece que o navio pra lá naufragou.

Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

rodrego(arroba)gmail.com
+55 21 91102610
Rio de Janeiro

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