segunda-feira, março 23, 2009

Manual do transgressor moderno


Se você é como eu, então é do tipo que troca de opinião de acordo com o interlocutor — só que ao contrário. Você é um do contra sistemático, compulsivo. Ao lado de um banqueiro, você é comunista, perto de um cientista, você defende a criação divina.

Podem te achar inteligente e podem te taxar de mala, o segredo está na dose. Não digo pra você inibir seu dom, mas não o banalize. Não desperdice a lábia justificando o desmatamento e os neonazistas. Se bandear automaticamente pro lado oposto só pra evitar o consenso não te faz um transgressor. Você é tão rebanho quanto os carimbadores da unanimidade.

Quer ser do contra, seja comedido. Escolha um consenso latente, sobre o qual ninguém escreve no jornal. Pode ser uma trivialidade. Aí faça o oposto e contemple na cara das pessoas o espanto de descobrir aberta uma porta que elas achavam que era parede.

Algumas sugestões:

1- Use bigode.
Hoje cada um faz o que quer com os pelos da cara. O conservador raspa, o relaxado deixa solto, o ousado cria cavanhaque, costeleta, até suíças. Mas ninguém abaixo dos 40 deixa só o bigode. O banal virou a última fronteira. Em 50 anos, o último bigodudo terá morrido, e o mundo ficará de buço pelado. Cresça um belo bigode, e saboreie a espuma do chope horas depois do copo vazio.

2 - Vire católico.
Ah, está tão na moda largar o catolicismo. Cada vez mais gente se abarrota em cultos evangélicos. Os artistas estudam a cabala, viram budistas ou espíritas. Dizem que a Igreja tem muitos crimes no currículo, mas as outras religiões também devem ter matado muitos judeus, é só olhar de perto. E você que é ateu, não me tire o corpo fora, que muitos genocídios já foram cometidos em nome da deusa razão, é só dar um pulinho na União Soviética. Vire católico, no ritmo da debandada é capaz de você ser o único restante para ser o próximo papa.

3 - Batize um filho com o seu nome.
As pessoas têm sido bem criativas ao nomear a prole. Tudo pra evitar que haja outros iguais na escola. As classes alta e baixa evidentemente têm uma concepção bem diversa do que seja um bom nome para o rebento. Mas repetir o nome do pai é considerado cafona não importa a origem. Você pode e deve usar o seu filho como parte do seu libelo contra a arbitrariedade da moda. Chame-o de Júnior, e a cada vez que ele voltar surrado do colégio, você terá certeza de que a sociedade tem muito a aprender com você.

4 - Batize uma filha com o nome da sua esposa.
Se você for um do contra radical e receber a graça de uma filha mulher, não deixe escapar a chance de dar-lhe o nome da sua esposa. Não há precedentes para tamanha transgressão. Observe o estupefato do escrivão tentando decidir se a chama de “Maria da Silva Filha”ou “Maria da Silva Júniar”. Deixe que ele escolha. Você já ganhou a parada.

domingo, março 15, 2009

À procura do wok perfeito

Essa viagem pra Europa de que voltei agora teve 3 objetivos. Na verdade 2, e mais um de bônus, mas depois explico isso. Importa é que dei com os burros n’água neles todos.

O primeiro era matar as saudades da Paula. E a gente teve, sim, um mês fantástico, mas é que nem beber água do mar, você dá um gole e já está com sede de novo.

O segundo era arrumar um emprego. Consegui duas entrevistas, lugares bacanas, gente legal que disse que me chamaria para freelas à distância assim que surgisse a oportunidade (não era emprego, mas ganha em euro, é um começo). Passaram dois meses e continuo aqui esperando.

O terceiro veio de brinde, em Lille, durante uma das entrevistas. Me levaram a um restaurante tailandês com uma proposta inusitada:

1. Encha sua cumbuca à vontade com carnes e legumes no bufê;
2. Escolha um molho e condimentos e dê a cumbuca para o cozinheiro;
3. Espere enquanto ele cozinha tudo em fogo alto no mesmo wok — uma panela tailandesa grande e funda;
4. Coma com arroz.

Não é só que fosse muito bom. O tipo de cozinha -— wok — era o mesmo do meu restaurante favorito em Berlim, que servia uma comida tão diferente que até então eu não conhecia nenhum paralelo. O cosmopolitismo não ajudava: cozinheiros americanos, decoração havaiana, temperos asiáticos, endereço alemão. Que diabo era aquilo? Não sabia, mas nunca tinha comido nada igual. Três anos depois, encontro algo similar.

O wok de Lille. Repare na tigela de arroz ao lado da cumbuca.

Mas o wok -francês, embora gostoso, não chegava aos pés do alemão. Começa que era self-service, jogando pra você a responsabilidade de misturar sabores desconhecidos. E ainda por cima, meu entrevistador não misturou o arroz dele na cumbuca. É disparado a melhor coisa do wok, deixar o arroz se impregnar no molho de especiarias, pra depois raspar do prato os blocos empapados misturados aos restos de carne e legumes.

Mas como ele não misturou, também eu não misturei. Não comi o wok perfeito. Nunca vou voltar a Lille de novo, então precisava achar um wok em Paris.

Internet. Tinha um, só um, perto da Bastilha. Mas antes, Amsterdam, que já estávamos de saída.

Amsterdam é linda, com suas lojas de croquete iguais aos do Alemão e suas -— surpresa — dezenas de wokerias fast-food.

Mas não era o paraíso dos woks. Woks fast-food cobram por cada ingrediente e não passam de um yakisoba fajuto. Saímos da horrível Amsterdam 3 dias depois sem ter comido um só wok que prestasse.

Wok fast-food de Amsterdam. Mesmo na foto publicitária, você vê que está mais pra yakisoba. E nem cumbuca eles dão, que vergonha.

Em Paris seria diferente. O restaurante era elogiadíssimo. Era caro. Jantar de despedida. Comemos entrada e tudo. A cumbuca já vinha com arroz dentro. No bufê, soubemos escolher melhor as carnes e legumes. Coloquei gergelim por cima. Paula e eu comendo com fúria, suguei cada arroz encharcado no molho de coco.

O wok de Paris. Mais do que aprovado, apesar dessa aparência de vomitado.

Saímos felizes e empapuçados, mas ainda assim, nunca seria como Berlim. O wok alemão, três anos depois, virou mito. Nunca nenhuma comida no mundo vai alcançá-lo. Meu consolo era que ao menos estava em melhor companhia.

O wok berlinense, imbatível. Na foto parece vegetariano, mas acredite, essa cumbuca é mágica.

quinta-feira, março 05, 2009

A História é um romance

Um dia eu disse que o melhor da História são os grandes marcos: tomada de Constantinopla, assassinato de César. Na época eu tentava me contrapor aos chatos que querem evitar a decoreba de datas e nomes nas aulas de História. Datas e nomes são a alma da História.

Acaba que as crianças ficam reféns dos porquês (não sabe, chuta crise agrária, a gente dizia), e é por isso que no colégio eu me via na situação bizarra de adorar História, a musa, mas não gostar de História, a disciplina. Cheia de porquês vomitados. Crise agrária. Colapso do sistema feudal. Blergh.

Mas lendo os Atlas da História Mundial, descobri que mais fascinantes que os grandes marcos, e obviamente muito mais interessante do que os porquês que explicam o dia-a-dia, é estudar as pontes entre os momentos históricos.

Ponte, na música, é a estrofe que liga o final ao início da canção. Em Hard Day’s Night, por exemplo, são os versos que reintroduzem o refrão sem quebrar a melodia:

When I’m home / everything seems to be right / When I’m home / feeling you holding me tight!

Em História, a gente só estuda os refrãos. Momentos estanque, coerentes no seu todo, mas é raro entender como a coisa flui para o momento seguinte.

Por exemplo, vamos lá pro início, quando os homens caçavam com pedra polida e faziam pintura de dedo em Lascaux. Como eram engenhosos esses primitivos, já sabiam até esfregar dois pedaços de pau pra fazer fogo. Aí perdemos o bonde e só voltamos a alcançá-lo no próximo capítulo, quando já estão erguendo pirâmides e zigurates no Oriente Médio. Peraí, o que aconteceu nesse meio?

Agora eu sei. Obedece uma lógica impecável que passa pela invenção da agricultura, sedentarização, poder central para controlar a população crescente, formando cidades-estado e expansão da influência dessas cidades-estado, formando impérios.

A Suméria não era uma civilização coesa, mas um amontoado de cidades-estado independentes de mesma língua que se matavam atrás de mais territórios. Às vezes uma delas — a Babilônia, por exemplo — crescia além da conta e fundava um império.

Fácil e lógico, não é? Vamos ver se os produtores de Lost vão resolver os mistérios com essa elegância toda.

Outro exemplo, agora mais específico. A Rússia. Você nunca ouviu falar dela até o Congresso de Viena, quando de repente, descobrimos uma jamanta poderosa e maior do que o resto da Europa inteiro. Como se formou esse império? Sabe como? Colonização viking! Não é o bicho?

Os vikings desceram os rios que desembocavam no mar Báltico e fundaram um estado com capital em Kiev, onde antes só havia povos nômades. Plantaram a semente da Rússia atual.

“Eu gosto de História porque pra mim ela é um grande romance”, é uma frase que podia ter sido dita por um filósofo, mas quem diz é meu pai. E eu concordo com ele. A História humana dava um puta livro: antes, meu maior interesse era o beijo do herói na mocinha. Mas o périplo para chegar na masmorra do castelo é que é a alma do romance.

E claro, sempre tem o chato que quer saber por quê os dois se amam, se é uma imposição social ou uma reação química causada pela compatibilidade de cheiros. Crise agrária, pode chutar.

domingo, março 01, 2009

Agoniza mas não morre

Eu podia dizer que estava viajando, mas isso só explica metade dos dois meses sem notícias. Na verdade, dava até pra ter blogado durante a viagem (tem wi-fi de graça nos albergues da Romênia), mas você tem que entender que depois de 4 meses sem ver sua namorada, e diante da perspectiva de continuar afastado nos 10 meses seguintes, escrever em blog cai pra último na sua fila de prioridades.

Já o outro mês ausente é culpa da anestesia mental que me acometeu depois de voltar (saudade? choque térmico? pré-carnaval?) e que já esta mais que na hora de espanar.

Passei o mês inteiro obcecado por Lost e Civilization. Dediquei todo o meu tempo livre à fuçar a Lostpedia e levar os incas à conquista do mundo.


Mas agora saí dessa. Agora reservei as horas vagas pra fazer algo de útil: aprender toda a História mundial. Estou com esses dois livros (um pra corroborar o outro) que se dedicam a contar a saga humana, do Paleolítico ao Obama. O nome dos dois é igual: Atlas da História Mundial. É como um adesivo de nicotina, porque funde em doses controladas os dois hobbies anteriores.


Com Civilization, o paralelo fica evidente. Ok, não sou mais eu que controlo a História, mas sempre gostei mais do pano de fundo do jogo que do gameplay. E Lost talvez concentre mais mistérios do que a História Humana, mas pra mim, o reino búlgaro que floresceu no meio das estepes russas é tão fascinante quanto um galeão encravado na floresta tropical.

A Volga Bulgária, um reino búlgaro independente do que se formou na Europa. Não sobrou nada da Volga Bulgária depois da invasão dos mongóis.

Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

rodrego(arroba)gmail.com
+55 21 91102610
Rio de Janeiro

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