terça-feira, maio 31, 2005

Serviço Domestico

Odeio serviço doméstico. Nada me traz maior sofrimento. Mas dentre os muitos desdobramentos que as tarefas do lar possuem, um é desagradável em especial. É a pior parte do serviço doméstico.

A pior parte do serviço doméstico não é fazer faxina. Fazer faxina é, sim, chato, pela demanda de longo trabalho braçal, de esforço físico e de um perfeccionismo com os cantos escondidos que eu sequer almejo possuir. Mas não é a pior parte.

A pior parte o serviço doméstico não é, tampouco, lavar roupa. Talvez até fosse, se houvesse tanque de lavar roupa na Alemanha. Mas na Alemanha não existe tanque de lavar roupa, então lavar roupa fica bem fácil. Basta colocar na máquina de lavar roupa, e ela lava a roupa para você. Também passar roupa não é a pior parte do serviço doméstico. Na verdade, é a melhor. Até porquê, eu não passo roupa na Alemanha, o ferro de passar roupa continua um profundo mistério para mim. As roupas ficam secando esticadinhas no varal para não amassarem, e surpreendentemente não amassam. O que prova que, se tivermos um dia que nos livrar de um só eletrodoméstico, para sei lá, conservarmos a vida, não tenhamos dúvida: é o ferro de passar roupa.

Está longe de ser a pior parte do serviço doméstico cozinhar. Cozinhar é até legal. Difícil é encarar depois o resultado, mas o ato em si, contanto que não ponha fogo em nada, é legal. E também não me venham dizer que a pior parte do serviço doméstico é lavar a louça. Lavar a louça é MUITO legal. Lavar a louça é uma revanche - onde eu me vingo do arroz que sempre gruda na panela fazendo-o impiedosamente escorrer pelo ralo da perdição. Lavar a louça é o espairecer de um dia estressante.

A pior parte do serviço doméstico é tudo isso junto. Dia após dia. Até o infinito. O trabalho nunca acaba, os cantos sempre juntam poeira, as roupas sempre aparecem com mancha, o estômago está sempre roncando. Mas para mim, no meu tempo psicológico, o trabalho já acabou. O banheiro já foi limpado? É um trabalho que não tem razão de ser (e, diga-se de passagem, não é) repetida na semana seguinte. Está limpo, está limpo, passemos para a próxima. A louça foi lavada? Por quê, diz o meu inconsciente, ela tem que ser lavada de novo na refeição seguinte? É uma tarefa cumprida, riscada da listinha. Me forçar a desobedecer a minha voz interior, ou obedecê-la só para descobrir na semana seguinte que o lixo nem cabe mais na lixeira é torturante.

A repetição me cansa. Eu sou "criativo". Sou um "designer". Minha cabeça está fervilhando de idéias prontas para mudar o mundo. Subsistir deveria ser automático, um mero estalar de dedos. Mas não sei por que estou me queixando, se esta semana efetivamente será um mero estalar de dedos. Plec: até domingo estamos recebendo a Ilana e Fabíola, alunas da Esdi em intercâmbio no sul da Alemanha que vieram fazer uma visita. E retribuem a hospedagem gratuita: cozinham, limpam, espanam, lavam, aspiram o pó, enxáguam, secam, passam pano, arrumam, recolhem o lixo, trazem a cerveja e graças a Deus não lêem este blog.

sexta-feira, maio 20, 2005

A Krakovia

Eu já falei que fui no fim de semana passado pra Krakóvia? Pois é, o melhor da viagem foi contar depois. As pessoas te olham com a boca torta, as sobrancelhas em descompasso e falam "o que esse cara foi fazer lá?".

Coisa pra fazer tem, até porque a Krakóvia, ao contrário do que vocês pensam, não é uma nação perdida no meio da Ásia permanentemente em guerra separatista com a Rússia, e sim uma cidade na Polônia. Não conheço muito sobre ela, não dá pra vomitar cultura como fiz no post da Tchecossováquia, mas de uma coisa eu sei: o papa nasceu na Krakóvia. Não esse cara que entrou agora, e sim o papa de verdade, o que morreu, e até por isso o cortejo do caixão fez ponto final lá, um pouco antes de eu chegar.

Conta-se que foi uma algazarra na Krakóvia, todo mundo queria ver o papa, tocar no papa, beijar o papa. Quando o caixão passou no meio da multidão os krakovianos rapidamente se organizaram para prestar uma homenagem fúnebre típica do país, que vocês devem conhecer: o corredor polonês. Meia hora ali e o papa virou farinha, todo mundo cerimoniosamente baixando o sarrafo nele.

A comunidade eclesiástica ficou escandalizada, e o cara que ficou no lugar do papa autorizou em represália uma cruzada punitiva para dizimar a Polônia e recapturar o pó que sobrou do papa morto para vender como relíquia. A sorte é que ninguém mais leva a igreja a sério, isso não vai dar em terceira guerra mundial nem nada, mas os poloneses devem se preparar, porque já está se formando um enorme exército invasor de velhinhas devotas.

Ah, vocês querem que eu pare de falar besteira?

Tá bom, dessa vez dou uma colher de chá, mas só porque não sei ainda quando vou ter tempo de postar as fotos no multiply (quando tiver eu aviso). Krakóvia é uma cidade medieval, por muito tempo foi até capital da Polônia. A parte antiga é muito semelhante à Praga, está tudo lá: o castelo no morro, o rio, a praça central, a catedral... Extremamente bem conservada, chega a ter um parque em forma de anel que isola essa área do restante moderno. Adorei o lugar. Também, como não gostar de uma cidade com torneios de esgrima disputados na muralha de guarda, um salão de baile a cem metros debaixo da terra e missas rotineiras com órgão e canto gregoriano?

Ainda não conheço a parte ocidental da Europa, mas cada vez mais desconfio que o meu negócio mesmo é leste europeu. Mole mole eu podia ter nascido por ali.

sexta-feira, maio 13, 2005

Conversa Virtual

As três horas diárias de S-Bahn entre casa e faculdade nao dao margem só a lutas sanguinolentas com palpiteiros da civilidade urbana. Também sao fonte de inspiracao. Já compus várias músicas, redigi textos desse blog, reavaliei projetos de design enquanto olho meditabundo pela janela.

Hoje passei a viagem pensando numa possível conversa entre eu e um alemao hipotético sobre essa onda de revisao do Nazismo que a Alemanha tem sofrido, cujo mais novo produto é esse filme que humaniza Hitler e conta como foram seus últimos dias (que eu ainda nao vi). O alemao hipotético criticaria esse revisionismo, ao que eu retrucaria que o acho muito importante, nao só pelo argumento já batido de que encarar o Führer como um monstro sem alma é uma forma de deixar de aprender com seus erros, mas também pelo bem da própria Alemanha. Explico.

O que se nota aqui, mais claramente do que se pensa, é que o povo alemao carrega como fardo o fato de ter hospedado e acolhido de bom grado a ditadura nazista. O tema é tratado mais ou menos como os devotos tratam o diabo, "aquele que nao se pronuncia o nome": pouco se fala, pouco se discute, e fazer piada (já senti na pele) é quase um crime. É como se os "arianos" tivessem uma carga de malvadeza genética cunhada na raca, da qual têm extrema vergonha, pois só isso explicaria as atrocidades que foram cometidas com seu respaldo.

Tenho pra mim que, claro, carga de malvadeza é uma pinóia e que isso poderia acontecer em qualquer nacao com o histórico recente similar ao da Alemanha pós-Primeira Guerra que empossa um maluco feito Hitler (e tá cheio deles aí, com idéias se bobear ainda piores).

Já ouvi vários alemaes aqui falando que, se dependesse deles, expulsariam todos os turcos de Berlim, e só nao endossam o coro porque o resto do mundo ia cair de pau chamando de nazista. Que besteira, penso eu, se o mundo tem que cair de pau na Alemanha, nao é por causa da história negra do século anterior, mas pela atitude proposta, extremamente egoísta, de dar um passa fora num povo que eles mesmos chamaram anos atrás pra preencher vagas de trabalho ociosas. E os preconceituosos, numa habil inversao, passam a ser os habitantes do resto do mundo, e nao as pessoas que querem deportar os turcos. O passado "intocável" da Alemanha antisemita acoberta esse tipo de crime atual. Da mesma forma, traumatiza aqueles que acham que só tem neonazista na Alemanha, onde evidentemente a concentracao é maior, mas nao pelo maucaratismo do povo, e sim porque esses eventos fazem parte da história alema, e como tal, influenciam quem estiver propenso a ser influenciado. O revisionismo sobre Hitler ajuda a libertar a Alemanha dessas grades. No Brasil ainda tem gente que acredita em Antônio Conselheiro.

Mudando de assunto: essas conversas virtuais sao ótimas pra se desfilar argumentos enquanto explana para um ouvinte hipotético passivo e um pouco burro, que sempre aclama a sua lógica perfeita sem contraargumentar, ou no máximo intervindo com senoes facilmente rebatíveis. Assim toda a sua retórica parece fazer mais sentido - falando em tempo real com alguém, eu nunca consigo juntar as coisas da melhor forma e sempre dou brecha pra uma contestacao plausível. Achei que era o único que me utilizava desse tipo de recurso, mas recentemente descobri que um amigo mesozóico meu, o Vítor - nao sei se ele lê essas maldigitadas - o faz de forma até mais radical, a ponto de depois nao sentir nem vontade de discutir com a pessoa o que já fez internamente - a simulacao já esgotou todos os possíveis ponto de vista.

Viva as conversas virtuais!

quarta-feira, maio 11, 2005

Maus Habitos

Um dos piores costumes dos alemães é o de pagar esporro de graça. Volta e meia sou abordado por desconhecidos carrancudos falando pra não andar na ciclovia, pra não tirar meleca, pra esperar o sinal fechar antes de atravessar. Esse tipo de coisa vai gradualmente te enervando, e a última foi a gota d'água.

Tava eu no meu canto sossegado voltando da faculdade no S-Bahn (trem de superfície) vazio, meti o pézão no banco e me preparei pra tirar um cochilo. Não é que me vem um cara, nem era um velho rabugento não, tava mais pra "jovens hitleristas", menos de vinte e cinco anos, e reclama comigo apontando pro meu pé e resmungando alguma coisa na língua esquisita que se fala aqui. Mandei-lhe um "Ich verstehe kein Deutsch" com bastante sotaque pra ver se ele parava de encher, e olhei pro outro lado. Mas o sujeito continuava insistindo, esbravejando mais ainda e assinalando a posição correta do pé de um alemão civilizado no trem.

Não me contive. Aproveitei a surpresa e parti pra cima dele com o sapato que estava em cima do banco na mão e martelei-lhe a cabeça cinco vezes até o cara desmaiar. Depois peguei o corpo e coloquei com a cabeça pra fora do trem, a porta teve que fechar várias vezes até decepá-la. Agora eu a carrego na mochila, e cada vez que um mala vem reclamar do meu comportamento terceiromundista, eu a mostro pra servir de alerta.

Mas pobre tolo que sou, aqui ninguém se intimida tão fácil. Ontem chegou um cara pra reclamar que a mochila tava vazando sangue, e que eu não posso ficar levando cabeças decepadas por aí. E se fosse absolutamente necessário, que ao menos usasse algo impermeável, pra não manchar o banco do trem.

Desisti. Agora eu simplesmente obedeço. E estou indo pra Polônia pra desestressar.

terça-feira, maio 03, 2005

Duas surpresas em Berlim

A primeira foi quinta passada, estávamos eu e Ricardo andando perto da Ku'Damm quando plau, MetaDesign, bem na nossa cara. Pois é, o prédio do maior escritório de design do mundo fica ali, encostado como quem não quer nada numa transversal bucólica do centro ocidental da cidade. São o quê, oitenta metros de comprimento por uns sessenta de largura, com cinco andares só de gente fazendo puro design. Finalmente um lugar onde a atividade não é só mais um dos setores da empresa, entre o almoxarifado e os recursos humanos.

É claro que pagamos o mico de ficar na dúvida entre apertar ou não a campainha, de posar pra foto na porta (ver hausinheidelberg), de bisbilhotar pela janela atrás do Erik Spiekermann (mal sabíamos que ele já tinha saído de lá faz tempo) e outras tietagens. O Ricardo está gravando hoje uma tatuagem dizendo "I love ITC Officina Sans Bold", mas eu achei que isso já era exagero.

A segunda surpresa foi num restaurante mexicano no domingo agora, onde ao pedir o menu "all you can eat" vem também uma cumbuquinha com - milagre - feijão PRETO dentro! Com uns caroções do tamanho do "D" de "Desembolog" ali em cima numa tela de resolução 640x480, a idéia era misturá-los nas tortilhas junto com as carnes e os molhos, mas - Rá - ora veja você se vou eu diluir o sabor do feijão PRETO no meio daquelas pimentas caribenhas! Comi doze cumbuquinhas, de colher mesmo, e o Ricardo dezessete, mas ele não vale que caiu um monte na camisa, de tanta que era a afobação.

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Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

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+55 21 91102610
Rio de Janeiro

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