terça-feira, julho 18, 2006

A arte da compilaçao

É dupla a minha relação com Alta Fidelidade, e é essa duplicidade que me impeliu a estampar por muito tempo esse filmeco ranheta na segunda posição na minha lista dos dez. A dualidade reside na forma como ele me despertou uma compulsão adormecida – a de elaborar top tens dos mais variados assuntos -– e sedimentou outra já latente, ao elevar a gravação de fitas cassete a uma forma de arte.

Adorava gravar fitas cassete quando tinha uns quinze anos. A capacidade de seleção e ordenação de músicas oferece uma oportunidade única de aventura criativa no campo musical praqueles de nós que não conseguiram aprender a tocar violão. E sob a influência de John Cusack, passei a gravar de tudo. De início, trilhas pra churrascos e festas, como todo mundo. Depois, coletâneas pessoais das bandas favoritas. Em seguida, a praga das compilações temáticas. Como aquela que só tinha canções sobre o tempo, de Pink Floyd a Pato Fu. Havia outra em que cada música discursava sobre um dia da semana. Uma delas tinha só as piores músicas dos melhores artistas, chamei-a de “Detest of”. A mais louca talvez fosse a fita dupla em que as canções vinham em ordem alfabética, vinte e seis, uma começando com cada letra. Por falta de espaço e repertório, terminava com “Zed’s dead, baby”, uma faixa da trilha sonora de Pulp Fiction em que a namorada pergunta ao Bruce Willis de quem era aquela motocicleta, e ele responde:

– It’s not a motorcycle. It’s a chopper.

– And whose chopper is this?

– It’s Zed’s.

– Who’s Zed?

– Zed’s dead, baby. Zed’s dead.

E acabava com um ronco de moto, durava vinte segundos, exatamente o que me sobrava na fita antes do fim. Aos poucos meu refinamento na escolha de músicas avançou além da preocupação com o tempo de gravação restante, e descobri que um tema não é suficiente pra dar coesão a uma seleção de músicas. Mas também nunca gostei de juntar músicas sem nenhum pretexto, e o conflito me abriu alguns anos de crise criativa.

Mas com a ajuda do iTunes, voltei à labuta hoje, arquitetando minha obra-prima, que demorou um ano e dois meses da concepção inicial à finalização. O conceito por trás das dezoito músicas selecionadas é: euforia desmedida. Todas elas são essencialmente eufóricas e imagino que a audição da seqüência vá abrindo exponencialmente o sorriso do ouvinte. A pesquisa de repertório se deu de forma incidental: fui apenas fisgando o que dava sopa na frente. Inúmeras músicas foram cogitadas para a compilação, mas o conceito de felicidade levado às últimas conseqüências peneirou quem era só alegrinho. Snookeroo, do Ringo Starr, excelente canção, contagiante, mas só parcialmente eufórica, não entrou. Paródias, como a versão maluco-beleza que um palhaço fez para a depressiva Creep, do Radiohead, foram impiedosamente limadas, assim como as piadas disfarçadas de músicas (Don’t eat the yellow snow, dizia Frank Zappa ao esquimozinho, sobre os cocôs de Husky). Pularam do barco ainda as que dissimulam uma alegria forçada (Wilbury Twist, os Travelling Wilburys mandando todo mundo botar a cueca na cabeça), e as mais difíceis de detectar, as que escondem panos de amargura por trás da aparente joie de vivre (a melancolia engolindo o sol e praia dos Beach Boys).

O resultado são canções de gramática coincidente: abundância na repetição de refrãos, batida acelerada e levada pop. E nenhuma música em português: tenho a impressão que a falta de fluência na língua ajuda a concentrar o foco nas emoções por trás da melodia, e nesse caso, eu queria a histeria absoluta, nada de racionalidade. Eis a lista:

1- I’m in heaven when you smile; Van Morrison
2- Obladi oblada; Beatles
3- My love; Petula Clark
4- Dreaming of you; The Coral
5- Like ice in the sunshine; BossHoss
6- Nur ein wort; Wir Sind Helden
7- Two princes; Spin Doctors
8- Alright; Supergrass
9- I’m Henery VIII, I am; Herman’s Hermits
10- The celtic soul brothers; Dexys Midnight Runners
11- Life is an adventure; Violent Femmes
12- Squeeze box; The Who
13- Sunny; Johnny Winters
14- Veronica; Elvis Costello
15- She’s eletric; Oasis
16- Oh Yoko; John Lennon
17- I’m a cuckoo; Belle & Sebastian
18- J’ai connu de vous; Burghart Klaußner

Baixem, e ouçam de preferência nessa ordem, para acompanhar a mudança gradual no tom das felicidades descritas em cada música, da euforia anárquica no início à alegria robusta, gentil e tranqüila com que se espera que o ouvinte termine o dia.

E aceito sugestões para inclusão no volume dois.

quinta-feira, julho 13, 2006

Guerra e Paz

Passados quatro meses lutando contra Guerra e Paz, livro gigantesco em dois volumes de oitocentas páginas cada, já me conformei em saber que terminá-lo não me terá servido de lhufas. Dele fica só a vontade de ser artista plástico, pra poder expor na Bienal de Veneza minha idéia de obra de arte: o mesmo livro, os mesmos dois volumes, mas com todo o conteúdo transferido para o primeiro. Tudo esmigalhado, o corpo da fonte reduzido até caber, a margem estreita, quase extrapolando a página, a entrelinha negativa. Esse primeiro volume teria impresso em maiúsculas douradas na capa: GUERRA. O segundo seria o PAZ, com oitocentas bandeiras brancas pra folhear.

segunda-feira, julho 10, 2006

Final da copa

Chega de copa. Declaro encerrado o assunto nesse blog.

domingo, julho 09, 2006

Pra acabar

De quanto será a sobrevida do personagem Ronaldinho Gaúcho, criado às vésperas da copa pelo Maurício de Sousa, com promessa de gibi quinzenal e o cacete?

* * *

Está todo mundo lamentando que a torcida e a imprensa brasileiras não tenham recebido nossos jogadores derrotados com o mesmo carinho dedicado aos portugueses e alemães por seus conterrâneos. Eu continuo preferindo que tratemos uma eliminação como desastre nacional. Enquanto a expectativa for sempre de vitórias acachapantes, mesmo que não correspondidas, significa que continuamos a ser os melhores do mundo.

* * *

Não resisto. Minha seleção de todos os tempos em Copas, valendo só quem vi jogar.

Oliver Kahn; Thuram, Baresi, Gamarra, Maldini; Dunga, Vieira, Zidane, Rivaldo, Romário e Ronaldo.

sábado, julho 08, 2006

A abrangencia da conspiraçao

Agora que é da sabedoria de todos a grande armação que sangrou as entranhas dessa copa, conspirando para que o título ficasse com uma equipe européia, nos resta depurar o estrago e achar os culpados. A turba raivosa quer cabeças para cortar, e não são poucas as que tiveram que se envolver no complô para assegurar seu êxito.

Comecemos pela Itália, que com um time medíocre está nas barbas de ganhar a copa, e em breve ganhará, mesmo que pra isso precise das traves da Skol, ou do juiz entrando de carrinho no Henry na hora do arremate final, delito até menos grave que o pênalti concedido aos italianos no último minuto do jogo contra a Austrália. Um só lance basta para flagrar o recrutamento dos árbitros e bandeirinhas em prol da causa européia, todos eles artífices da construção deste resultado odioso. E a vitória da Itália é só um capricho de uma maquiavélica estratégia que consagra a seleção mais européia, a única que não possui jogadores naturalizados ou filhos de imigrantes.

Mas levar a seleção italiana à vitória em cima de equipes tão fracas como Austrália, Ucrânia, Alemanha e França foi só a parte fácil da empreitada. Difícil mesmo foi parar os dois esquadrões sulamericanos, Brasil e Argentina, em suas demolidoras carreiras rumo ao confronto na final da competição. O jogo dos argentinos com a Alemanha provou que não só os árbitros, mas também alguns jogadores de ambos os times foram cooptados a fabricar o resultado. Fala-se muito do papel que o goleiro Lehmann tirava de dentro do calção para saber onde os cobradores bateriam seus pênaltis, como se as indicações do papel fossem fruto da observação e estatística dos olheiros alemães, e não da combinação prévia com os adversários. Comenta-se com pesar a substituição feita pelo técnico José Pekerman no meio do segundo tempo, tirando o atacante Riquelme para a entrada do marcador Cambiasso, que depois perdeu um pênalti, como se a troca fosse fruto de excessivo zelo defensivista, e não uma punição a um habilidoso meio-campo que se recusava a entregar a pátria argentina de bandeja. Todos, todos envolvidos.

A derrota do Brasil para a patética seleção francesa, com seus jogadores em idade de ganhar caixas de remédio no aniversário, é outro exemplo de envolvimento de todos os presentes em campo. A diferença ficou no patriotismo dos brasileiros, que não se entregaram sem antes denunciar veladamente o esquema. O acesso de vaidade do Roberto Carlos com sua meia durante o gol francês não foi falha, e sim uma caricatura intencional da postura que os jogadores estavam sendo obrigados a tomar durante o mundial para que seus parentes não fossem assassinados no cativeiro em que eram mantidos pelo batalhão de choque da Fifa. Por diversas vezes um dos nossos craques se expunha ao ridículo para mostrar que a incompetência com que se conduzia as partidas foi coagida, a começar pelo comparecimento do Ronaldo ao início dos treinos com 47% de percentual de gordura, passando pela pisada na bola que levou o Ronaldinho a cair de nariz no chão e culminando com a estupidez atroz das escalações do Parreira, insistindo com o caquético Cafu e relegando o Robinho a extra de DVD. Todos denunciaram corajosamente o esquema da forma que podiam, apesar de toda noite receberem telefonemas sinistros de vozes roucas que ameaçavam cortar mais um dedo do pé de seus filhos recém-nascidos.

domingo, julho 02, 2006

Caramba!

Cara, tive um pesadelo horrível ontem. Sonhei que o Brasil perdia da França e ainda tomava chapéu do Zidane. Ainda bem que foi de mentirinha. Que dia que é o jogo de verdade mesmo?

sábado, julho 01, 2006

Pele x Maradona

O saldo até agora é positivo, várias coisas boas compensam o jogo da Suíça e Ucrânia. Uma delas é a presença maciça de grandes jogadores do passado envolvidos na Copa. Beckenbauer foi quem organizou a festa, consegue a proeza de estar presente em todas as partidas, averiguando tudo da tribuna de honra. Zico e Van Basten foram técnicos no Japão e Holanda, Klinsmann treina a Alemanha, Zidane joga na França, sem contar todos os ex-campeões que desfilaram na festa de abertura. E tem Pelé, que veio carregando a taça na mesma festa, e aparece quase tanto quanto Beckenbauer nos estádios, lá do seu trono de onde acena para a multidão submissa sempre que é mostrado no telão. E tem Maradona, tresloucado na arquibancada, empurrando a Argentina com a barriga e roendo as unhas como um plebeu. O contraste de postura entre ambos não deixa dúvidas sobre quem deve ser aclamado Rei do Futebol.

Pelé assiste os jogos cercado por vidro blindado e tomando champanhe. Maradona tem que aturar o abraço dos suvacos vizinhos a cada gol da Argentina.

Pelé permanece esbelto, fôlego de atleta como quarenta anos atrás. Maradona não é mais a aberração que disputava manchetes com Michael Jackson, mas estabilizou seu formato num ovóide ainda ridículo.

Formato esse que Maradona acentua pela sua euforia desmedida, mais caricata que a de qualquer torcedor. Enquanto Pelé permanece comedido, político, majestoso.

Pelé veste terno. Maradona se cobre do que o Galvão Bueno chama de patuás por cima do uniforme da seleção argentina que mal esconde seu umbigo.

O uniforme denuncia que Maradona está pouco se lixando pra fair play, empobrecimento do espetáculo, disseminação do futebol, inclusão social. Maradona veio pra copa torcer pra Argentina e a essa hora deve estar de volta em casa. Já Pelé assumiu uma atitude supranacional. Está lá para promover o esporte. Assume ares de imparcialidade, faz análises isentas, que quase sempre, mesmo contra todas as evidências, tendem a detonar com seu país natal.

Maradona reclama a majestade. Pelé não.

Claro que é Pelé o rei do futebol. Mas apesar de não dispensar idolatrias, o futebol despreza monarcas, suntuosidades. Talvez por isso que o rei do futebol seja esnobado e vire piada no seu país de origem, enquanto Maradona na Argentina virou deus, mesmo cheirando coca e sem jogar tanta bola.

Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

rodrego(arroba)gmail.com
+55 21 91102610
Rio de Janeiro

Links
Melhores Posts
Posts Recentes Arquivos Powered by Blogger

Creative Commons License