quinta-feira, junho 30, 2005

A Torre de Pisa

Estar diante da Torre de Pisa dá um certo frio na barriga. Ela surge atrás de uma esquina comprida, e mesmo sabendo pelo mapa que ela já já vai aparecer, continua causando surpresa. É o momento em que o ícone, a lenda, o massificado cartão postal italiano sai da quadricromia das revistas e se materializa tresdê aos seus pés, com frente, fundos e gente andando em volta. Vira realidade.

O único problema da Torre de Pisa é a cidade que a cerca. Não que Pisa seja uma cidade feia - não é feia nem bonita, gorda nem magra, não fede nem cheira. E justamente por ser um zero à esquerda é que toda a economia de Pisa está centrada neste campanário - pois é isso que a torre é, um suprote de sino de igreja que deu errado.

E cobram quinze euros a entrada. Quinze! Pela taxa de câmbio, dá R$52,50 pra subir, ver a vista rapidinho e descer, em cronometrados trinta minutos e um monte de japonês atrapalhando. Quinze euros pra ver por dentro o clichê das viagens, que se for parar pra pensar, não é nenhuma maravilha estética, está mais para um paradigma de incompetência do cálculo estrutural.

Eu não paguei. Eu não compactuo com extorsão dirfarçada de cultura, com o turismo automático da bandeirinha do guia, por mim Pisa minguaria lentamente até a ruína. O problema é que os japoneses não partilham dessa mesma ética mochileira, eles seguem como tratores fotografando e sustentando essa indústria do mal, o que deve garantir boa sobrevida ao turismo-espetáculo.

Seguindo a mesma lógica, passei longe também da uma hora de fila ao relento pra ver o piru do Davi do Michelangelo - e depois ainda comprar a cueca do piru, artigo mais comercializado em Florença - e das três horas pra ver a Vênus de Botticelli, que diga-se de passagem vejo todo dia sem cabeçada na frente quando abro o Illustrator. Quer dizer, seja por ética ou pãodurice, acabei não fazendo muita coisa nessa viagem pelo norte da Itália. E o pior é ter a impressão perene de que os japoneses estão sempre se divertindo muito mais do que eu.

segunda-feira, junho 20, 2005

Dia Dezoito

Eu sou muito egocêntrico. Sou do tipo que acha que quando chega o meu aniversário as pessoas acordam com um frio na barriga e, mesmo que nem me conheçam direito, sentem que tem algo de diferente no ar. É por isso mesmo que gosto de fazer uma festa no dia dezoito, assim eu garanto que todo mundo vai estar nesse clima. E aqui na Alemanha não foi diferente.

Saí chamando meio indiscriminadamente todo mundo que conhecia, e acabou que veio bastante gente mesmo lá pra casa. Poucos alemães, e mesmo os que vieram acabaram todos saindo antes de meia-noite, mas a diversidade internacional abrangeu três continentes. Nenhuma nacionalidade muito interessada no Jorge Benjor tocando, que teve logo que ser substituído, mas todos curiosos pelos brigadeiros que foram rapidamente dizimados.

Brigadeiros esses responsáveis por uma panela a menos na cozinha, perdida pra sempre debaixo da crosta de chocolate empedrado da primeira tentativa. Mas as baixas de guerra fazem parte, tivemos altas também, aliás, altas e altos, bêbadas e bêbados e gente caindo pelas tabelas, e minha vó ligou pra mim no meio da festa pra falar pra não tomar álcool, e depois ainda quis falar com "aquele menino", e mandou o Ricardo não beber nada também, mal dava pra tapar o fone enquanto ele gargalhava do meu lado. Lembramos dela ao praticar esquibunda no vômito da ressaca alheia, iupiii que divertido, tudo culpa desse continente estranho que cisma que a boa mesmo é dar bebida de presente, mesmo quando o sujeito não bebe. Acabei até eu bebendo um pouco, mas me sobraram, além da cerveja, uma vodka, alguns vinhos e um frasco de não sei o quê típico da Letônia com quarenta e cinco por cento de teor alcoólico.

A festa acabou como era de se esperar, com todo mundo aos poucos indo embora, menos os italianos, que ficaram lá pulando e gritando pela janela chamando quem passava na rua para entrar na dança. Quem conhece italiano sabe que é normal, não fosse pelas pessoas da rua realmente terem aparecido em casa e ainda nos carregarem pra outra festa, onde eu, já umas quatro e meia da manhã, entreguei os pontos e voltei pra dormir.

E acabei de encontrar o Daniele agora (é, isso é nome de homem na Itália) e ele ainda veio me dizer que quando deu seis da matina todo mundo pegou o trem pra tomar banho num lago e depois ainda voltou pra festa. "Party Monster", apelidou uma outra menina.

quarta-feira, junho 08, 2005

Minha nova amiga

Já devo ter dito que em Berlim não se anda de ônibus. O negócio deles é U-Bahn, o metrô daqui. A malha é tão abrangente que dá pra chegar em qualquer ponto da cidade por baixo da terra. Mas toda essa eficiência no transporte tem seus reveses: depois de três meses e meio de Alemanha, ainda não conheço bem a cidade. Conheço algumas clareiras de cidade, isoladas no espaço-tempo pelo breu do underground. Tem a clareira da Yorckstraße, onde eu moro, a clareira da Potsdamer Platz, onde fica o cinema, a de Ebenswalder Straße até Oranienburger Straße, onde estão os "barzinhos da moda", a Zoologischer Garten, onde fica o pois é, adivinhou, e tambem a estação de trem principal... E só mais umas cinco ou seis, o resto pra mim é mapa de metrô, com aquelas linhas coloridas e as bolotas brancas.

Mas isso começou a mudar domingo. Fiquei no compro não compro não compro compro, COMPREI a minha nova amiga, e agora não tem mais essa de U-Bahn, vai ser de bicicleta pra onde der. Porque aqui é tudo meio afastado, e sempre que tenho que ir nos correios, ou no banco, ou pra qualquer lugar, até na padaria, são pelo menos uns quinze minutos a pé ou então ficar andando migalha de metrô, que não compensa. Por isso que todo mundo anda de bicicleta em Berlim.

Ela foi baratinha, comprei de um cara que monta bicicletas pra complementar a renda. O quadro dela ele achou, pasme, no lixo, e o resto foi chegando e encaixando. Quarenta e cinco euros. Freios pouco confiáveis. Mas azar, "à minha bicicleta sou fiel, ao contrário da minha mulher", como canta um grupo alemão.

Agora é só começar a conectar clareiras. A primeira missão eu completei hoje: duas horas pedalando entre minha casa e a faculdade em Potsdam, só o dobro do tempo do que eu levaria de trem e bonde. Sucesso? Bom, sucesso na medida em que cheguei inteiro, e que vi uma cidade nova, amanhecendo bonita, que da janela do S-Bahn passa de coadjuvante. É verdade, encharquei minhas fontes da aula de tipografia com esse suor melado, e empesteei a aula de vídeo com aquela catinga de educação física, mas nada que incomode essa galera que não depila o sovaco e assoa o nariz feito apito de trem no meio da conversa. E a repercussão com as meninas acabou ficando mais pra "comeu cocô?" do que pra "meu herói!", mas nada que tenha arruinado minha reputação. Vou fazer mais vezes.

Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

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