domingo, julho 31, 2005

Pontualidade Germânica

As duas últimas festas a que compareci aqui, uma comecava às sete, a outra às seis. Uma apareci uma hora depois e mesmo assim fui o primeiro, e a outra eu cheguei seis horas depois. E pior que nao fui o último.

A tal pontualidade germânica pode funcionar pra muitas coisas: as aulas se iniciam sempre na hora, os trens partem com segundos (!) de precisao, mas o horário alemao para festas e celebracoes em geral segue o mesmo padrao anarquicamente porralouco do brasileiro. Pra quem achava que isso era só um galho a mais da nossa árvore de inconsistências brotada da mistura de índio preguicoso, português burro e negro mais burro ainda, saiba que é um mal generalizado, abrange toda a cultura ocidental. O mundo civilizado aparentemente vê como fraqueza ou deselegância encontrar-se na posicao de, primeirao no salao, ter de se deixar levar pelo papo furado do anfitriao aflito atrás de casa cheia, se privando de atacar a comida pra nao parecer afobado. Por isso, a menos que em caso de total desconhecimento das regras de conduta, nao se chega em festa alheia com menos de meia hora de atraso. O anfitriao sabe disso, e esperto, combina um horário sempre meia hora mais cedo do que o desejado. Os convidados, sempre um passo a frente, se esmeram entao em chegar ainda mais tarde, e o anfitriao responde marcando ainda mais adiantado.

A coisa chega a tal ponto que, conforme a experiência e as dobrinhas de vivência na testa aumentam, as festas passam a ser marcadas para às dez da manha para que os primeiros convidados cheguem ao menos antes do novo dia clarear. Nao é bom pra ninguém. Prejudica o dia seguinte no trabalho, estressa os vizinhos, a comida esfria, arrasta consigo um rabo de desgracas que, para mostrar felicidade, abana para os lados e destrói tudo o que está em volta.

O brasileiro, se é malandro mesmo como dita a mitologia, devia escapar dessa idiossincrasia. Melhor aproveitar a festa da melhor forma: chegar pontualmente e promover sem remorso um massacre na mesa de doces, retirando-se antes que a sala vire um suadouro intransitável e antes, bem antes que haja qualquer possibilidade de ter que ajudar na limpeza.

segunda-feira, julho 25, 2005

Mamae chegou

O ser humano mais paparicado lá de casa é a cachorra. Chama Lady. Eu, que sou o único que quando piso nela nao peco desculpas, tentei apelidá-la de "Lady Murphy" para amenizar o dondoquismo do nome, mas nao pegou. Minha irma, minha mae, meu padrasto, sao todos só mimos com ela, lacinho e sapato impermeável pra chuva, tanto que a Letícia até queria trazer ela pra Berlim. Minha mae disse que nao, que a vovó ia ficar com ela, cuidar bem e dar leitinho todo dia, mas parece que isso nao satisfez minha irma. Tanto que ela arrumou um jeito de traze-la clandestina no aviao.

Foi só a Lady botar os pés aqui em casa para pularmos eu e Ricardo de nosso estado de semiconsciência moribunda e devorarmos ela viva a dentadas. Cinco, seis segundos e nao sobrou nada, comida aqui anda raro, os dias aqui têm sido difíceis. Este blog é um embuste, só camufla nossa situacao precária pra nao fazer feio na frente das visitas. Minhas últimas semanas, passei raquítico deitado na banheira, cercado pelos últimos potes de mostarda e maionese restantes na casa, ingerindo e rebobinando pra fora o conteúdo pra que a comida nao acabe. O Ricardo, ainda pior, estirado no chao embaixo do ventilador, dado como morto pelo último cobrador que veio reclamar do nao-pagamento da conta de telefone, só se alimenta de insetos que percorrem o improvável caminho entre a sua boca aberta e o estômago.

Mas mamae agora já tá cuidando de mim, e eu prometi que quando ela sair eu vou ser mais responsável, e vou mesmo. A chegada da Lady me reanimou. Nada como uma comidinha caseira pra te botar nos eixos de volta.

E minha irma quer que eu compre outra igualzinha quando voltar.

quarta-feira, julho 20, 2005

Animacoes Americanas

Terca-feira é "Dia de Cinema" no único deles que nao passa filme dublado em Berlim. Uma segunda leitura dessa frase revela que nesse dia a entrada é mais barata, o que leva à inevitável conclusao que só mesmo terca pra eu ir ao cinema por essas bandas.

Nao é que eu nao gostei de Madagascar. Achei engracado paca, bem feito e tal. Mas a impressao que dá é que é uma parede a mais no bunker em que as animacoes americanas estao se confinando. Ou nao deu pra notar que sao todos, melhores (Incríveis) ou piores (Robôs) contrangedoramente iguais? Em dois aspectos:

- Se passam sempre num universo paralelo ao nosso, e de fronteiras estreitas: brinquedos (Toy Story), pré-história (Era do Gelo), monstros (S.A.) insetos (Vida de), conto de fadas (Shrek), etc. E tentam sempre contar uma história definitiva sobre o tema, a ponto de quando, por coincidência, esse universo se repete (Nemo e Espanta-Tubaroes), pairar a aura de plágio (pô, outro filme sobre fundo do mar?)

- Os personagens sao semrpe exageradamente cômicos, só sabem se expressar aos berros, e pulam, rolam, dancam hiphop, destróem o ambiente ao redor, te dizem: "ri! ri, seu desgracado, nem que seja na marra, nem que eu tenha que ir aí esgarcar a tua boca!" Nao resiste à comparacao com os velhos desenhos da Disney, onde o humor estava nos olhares e situacoes. O gato Lúcifer, de Cinderela, cacando ratinhos entre os pratos da mesa posta enquanto dissimula para a dona. Nada que te faca perder o fôlego, mas ganha pela singeleza.

É uma pena se isolar nesse gueto, pois a linguagem da animacao permite muito mais do que histrionismo e acrobacias múltiplas. As duas únicas animacoes off-Broadway a chegarem no Brasil, Chihiro e Bicicletas de Belleville, mostram o quanto esse universo é extenso, com traco e humor completamente diferentes dos americanos, e completamente diferentes entre si.

Indo além: quando é que alguém vai fazer uma animacao de suspense? De acao? De pancadaria? Por que a insistência com a comédia, e de onde diabos vem a idéia de que só crianca gosta de desenho animado?

domingo, julho 17, 2005

Meu maior desejo

Se alguém me perguntasse duas semanas atrás, diria que era entrar pra História, mas mudei de idéia. Entrar pra História, eu pensava, porque é a única forma de alcancar a imortalidade, uma vez que com certeza na minha velhice ainda vai ter muito moralista impedindo os avancos da Genética que realmente interessam. Mas mudei de idéia.

Se tivesse que pedir alguma coisa pro gênio da lâmpada agora, nao seria dinheiro, mulheres, iates, porque iates, mulheres, dinheiro e entrar pra História sao somente formas de tentar alcancar felicidade. Pediria, ao contrário, a desnecessidade de algo para pedir, porque é a satisfacao com a própria condicao, qualquer que ela seja, que se chama felicidade.

Poucas, pouquíssimas pessoas sao felizes. A maioria, me dizem algumas leituras, têm quinze minutos de alegria genuína ao longo da vida, sem preocupacoes, sem freios. A última vez que senti esse gosto foi na comemoracao do resultado da selecao do intercâmbio. Foram o quê, três minutos de paraíso na Terra, de felicidade desmedida. Depois parei pra pensar: "que esbanjao, quanto eu já gastei dos quinze que tinha?" E fiquei triste, e fiquei feliz por ficar triste cedo.

Mas essas pessoas, essas pouquíssimas, sortudas e invejáveis pessoas que irradiam contentamento nao precisam se preocupar com isso. Se nao vivem eufóricas 24 horas por dia, comportam em si a satisfacao pessoal, a seguranca e a tranqüilidade que nao têm o mais ricos dos milionários, o mais garanhao dos Don Juans, o mais genial dos Prêmios Nobel. Sao tao raras essas pessoas que em toda minha vida só me vêm à cabeca agora duas: uma é amigo de infância. E a outra vai embora daqui dentro de quinze dias, para um país remoto o suficiente para nao dar muito horizonte.

* * *

Mas por outro lado, a humanidade é movida pela angústia e frustracao. As grandes revolucoes sao fruto da insatisfacao coletiva, as maiores invencoes vêm da loucura e da ambicao. Ser feliz é nao ter senso crítico, é afundar no atoleiro sem notar. É ser acomodado e preguicoso, nao diferenciar o bom do mau e talvez, o certo do errado. Contentes, estaríamos todos boboalegrando na Idade da Pedra. A felicidade é, na verdade, atrasada e egoísta.

* * *

Cinco músicas para uma coletânea de cancoes alto astral em um CD que provavelmente nunca gravarei: Simon & Garfunkel, At the Zoo; Oasis, She's Eletric; Beach Boys, Wouldn't it Be Nice; Rolling Stones, She's a Rainbow; Beatles, All Together Now.

segunda-feira, julho 11, 2005

Apelo

Essa exposição de fim de semestre aqui me deixou com a macaca. O que fazer diante de tamanha superioridade? Eu não sei vocês esdianos, mas eu faço um apelo:

Não sentem em cima da bela e antiquada filosofia da nossa faculdade para o próprio conforto. Não usem o minimalismo como desculpa para preguiça ou falta de recursos. Não se apóiem no funcionalismo para justificar a feiúra. Não tachem qualquer adereço de frescura. Enterrem o Goebbel. Não chamem urubu de meu louro. Descubram que fazer ficar bonito é quase sempre muito mais difícil que fazer funcionar ou fazer ficar legível, que isso é só o mínimo essencial.

Aliás, parem de usar Univers pra qualquer texto. Dá nos nervos.

domingo, julho 10, 2005

Os designers alemaes sao melhores que os brasileiros?

Sao. E nao adianta choramingar, espernear e tentar dissimular o complexo de inferioridade. Se havia alguma duvida sobre a questao, caiu diante da exposicao anual dos projetos dos estudantes da faculdade. Estou admirado, impressionado, abismado, chapado, embasbacado com o conjunto do resultado exibido nessa semana que se finda. Espalham-se pelos corredores, salas, paredes, tetos, milhares de trabalhos de fotografia, ilustracao e videografia, posteres, interfaces, moveis e robotica, livros, jogos, tipografia e experimentalismo. Um desbunde.

Onde estavam essas pessoas ao longo do ano, em meio as tardes de ramerrame onde reinava a pachorra naquela ilha iluminista enquadrada num raio de cinco quilometros de mato por todos os lados? Em que área 51 aprenderam a desenvolver projetos de design em segredo de estado tao bem feitos? A exposicao anual da Fachhoschule Potsdam é tudo o que sempre se sonhou fazer na Esdi, só que multiplicado por dez. É da responsabilidade de cada professor ter os resultados de sua turma exibidos numa parede ou sala específica, mas sao os alunos que contribuem decisivamente para a organizacao e montagem de tudo que é visto ali, com uma mobilizacao e dedicacao que nunca antes presenciei.

Passei o dia da montagem e inauguracao sonhando acordado, empurrando uma mesa aqui e ali, completamente absorvido pela orgia gráfica a minha volta, muito mais estimulante do que qualquer exposicao de medalhao do design, porque feita pelos nossos semelhantes, essa galera com quem voce fala besteira na hora do almoco.

E com trabalhos muito melhores que os nossos, brasileiros esdianos de um modo geral. Por mais que o todo sempre encante e eclipse os trabalhos fracos (que estao lá, claro, eu e Ricardo já demos várias risadas com os absurdos mostrados na aula de video), no geral aqui a qualidade é maior sim. Razoes? Já que superioridade racial é argumento meio fora de moda, podemos citar o fato de os alemaes entrarem mais maduros na faculdade (22, 23, as vezes até mais), e com muito mais bagagem visual do que nós (a selecao aqui é feita por portfolio, nao tem o inoperante vestibular). Além disso se dedicam muito mais aos estudos, seja porque nao tem um estagio pra atrapalhar (só se estagia durante um semestre aqui, e tem que largar a faculdade), seja por mais senso de responsabilidade. Somando-se a isso, a total liberdade de escolha dos cursos lima da sua vida as matérias tampao, que se cursa pro obrigacao, como sao oitenta pro cento das da Esdi.

Falar de exposicao anual deve ter dado uma pista de que o semestre aqui acabou. Passamos agora para a segunda fase do intercambio, o estagio. Admito que nao tenho muita vontade de faze-lo, o primeiro ímpeto é cursar outro semestre pensando que "agora vou me integrar nesse universo paralelo que estava a minha volta e eu passei batido". Vamos ver no que dá. De qualquer forma, fim de semestre é um bom motivo pra reanimar o falecido multiply, que estou devendo fotos desde a Krakóvia até a exposicao, passando pela Itália e pelo meu aniversário. Já já nas bancas.

terça-feira, julho 05, 2005

Live Aid

Espremido pela massa loura que transformou o Portão de Brandemburgo em lata de sardinhas clautrofóbicas durante o Live Aid, tive quatro horas - enquanto a barulhada comia solta no palco há um quilômetro de cabeças de mim - pra refletir:

Será que o um milhão de espectadores, dois bilhões de telespectadores e não sei quantos milhões de abaixo-assinantes fazem alguma diferença para os tais oito poderosos que vão lá para outra rodada de War com o mundo? Resposta: Não tenho dúvidas. Tenho certeza absoluta que ajuda e encaro quem achar o contrário, e parto pra briga.

Senhores, vamos parar de mesquinharia! Vamos perder esse acomodado ideário do pós-modernismo de ser contra-revolucionário, de assitir a vida passar ao largo sentado na privada e restringir o protesto aos comentários mordazes questionando a virilidade da ladroagem. Mobilização faz diferença sim! Exemplo:

Chegam os líderes dos países ricos na Escócia. Todo mundo com cara de pressa, vem o Schröder e diz: Galera, vamos assinar esse treco logo que daqui a pouco começa o show. Show, que show? pergunta o Berlusconi, o mais avoado. O Live Aid, porra! - resposta em coro. Quem toca em Roma é o Duran Duran, tá sabendo, vai querer assistir pela TV? E em Londres, meu amigo, toca o PINK FLOYD reunido, todo mundo junto de novo, então assina a paz mundial logo e vambora!

Todo mundo assina e corre de volta pra casa, e a África é salva. Mas essa é uma hipótese otimista. Mais realista é pensar que os líderes mundiais todos, como representantes da elite e senhores de idade, gostam de jazz. Menos o Bush, que é fã da Mariah Carey. Abre a porta ele nervoso, apontando pro relógio de pulso que ele acha que quem inventou foram os irmãos Wright e convoca: Ó, o show da Mariah começa em sete horas, é o tempo de todo mundo assinar no pontilhado e eu voltar pra Filadélfia no meu concorde fretado. Os outros não tem a mesma animação. Eu até assinava, diz o Putin, mas a merda é que minha caneta tá sem tinta. Vamos ficar um tempo aqui pra fingir que a gente discutiu um pouco senão pega mal. Trouxe o gamão. Porra, que mané gamão, tá maluco, pega uma bic com a secretária e pronto, cacete! Não dá, só escrevo com MontBlanc. Ah, seu fresco, não é possível, Chirac, você que é francês, dá uma MontBlanc pra ele, não é possível. Até daria, responde Chirac, mas pra isso o Putin tem que voltar pra Rússia, não pratico exportações em solo inglês enquanto eles não tirarem os subsídios do espinafre. Porra, isso não é exportação! É sim. Implora o Bush: Blair, vamos lá... E o Tony Blair: Espinafre, só se o Chirac parar de incentivar os xampus anti-caspa. Ai, cacete! Me dá essa merda de caneta aqui, dá que eu falsifico. Chirac: Aí o buraco é mais embaixo, vamos ter que discutir guerra no Iraque.

No final, o Bush convence todo mundo a voltar mais cedo sem jogar gamão e nem assinar nada. A reunião é descrita como proveitosa na mídia. Bush pega o avião, o show começa em vinte minutos, mas o mau tempo impede que ele aterrise e ele não chega a tempo.

Merda! De onde era a companhia aérea?

Do Gabão.

Bomba nesses viados.

Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

rodrego(arroba)gmail.com
+55 21 91102610
Rio de Janeiro

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