terça-feira, fevereiro 28, 2006

Aniversario

Hoje completa um ano certinho que eu escapei do Brasil, e pior que nem dá pra dizer que passou rápido. O que aconteceu quatro, cinco meses atrás ficou pra mim pra lá do cretáceo, bem ao contrário dos anos anteriores, em que o tempo corria tão batido que a retrospectiva da Globo parecia programa semanal. Isso nos força a reavaliar aquele teorema chavão de que os anos correm sempre mais velozes à medida que a idade avança. É um pouco mais complicado que isso.

Tem a ver na verdade com absorção de informação nova. Quanto mais o mundo fornece novidade, mais tempo a gente precisa pra assimilar, por isso quando ele fica previsível, acaba girando mais rápido.

Pois o meu mundo esse ano quase parou. Sabe a ala das baianas, tendo que retardar o passo pra esperar o carro alegórico atrás que quebrou? Sabe a Camila aos três anos, tendo que ser levada à força pro banheiro pelo meu pai, e se agarrando a dentadas em qualquer fresta porque não queria tomar banho? Sabe uma corrida em câmera lenta de lesmas tirando meleca com luva de boxe? Foi esse o meu ano. Cara, foi muita coisa nova.

Antes, morava há sete anos no mesmo apartamento. De repente moro em outro. Morei vinte e um com minha família. De repente estou amarrando meu próprio cadarço. Estudei quatro anos na mesma universidade. Caí de pára-quedas em outra, com outra proposta, outra dinâmica e dois degraus a mais de qualidade. Fiz isso tudo em outra língua, que aprendi esse ano na marra, porque alemão só se aprende tomando esporro, não é em cursinho.

Fiquei um ano privado dos meus amigos, mas podia ter passado mais. Porque é impressionante a quantidade de gente que passa pela sua vida quando você abre a guarda. A maioria está só de passagem mesmo, mas sempre tem os que acabam ficando. Viajei um bom chão, pra lá de metade da Europa, e boa parte a metade que ninguém viaja. Dormi num mosteiro, montei um camelo, entrei num esgoto achando que tava indo pra praia, vi os fogos em torno de cocô de cavalo, retomei contato com um amigo de dez anos atrás, assisti um torneio de esgrima na torre de um castelo, é muita informação nova prum moleque caipira do interiorzão de Copacabana. Só que agora o visto acabou, eu cansei, bateu saudade, quero colo.

Manhê, tô voltando.

domingo, fevereiro 26, 2006

A contrição do cético



Acabei de voltar de uma das experiências mais fantásticas da minha vida. Uma viagem que começou em Atenas e terminou em Istambul, mas cujo coração ficou mesmo na península sagrada do Monte Athos, no norte da Grécia.

A península é uma rocha que se levanta crua do mar, escolhida mil anos atrás para servir de retiro espiritual para monges ortodoxos que habitam os mais de vinte mosteiros erguidos nas escarpas de pedra. Hoje é um território autônomo, que exige visto de entrada e limita o acesso a um máximo de dez visitantes por dia. E entre as diversas outras restrições que impõem ao disputado ingresso na autodenominada república monástica, há que pertencer ao sexo masculino. Mulheres são proibidas num perímetro de quinhentos metros, por mar e por terra, da península.

Azar o delas. Minhas fotos não fazem jus à beleza dramática do lugar, que nevado ganha tons ainda mais selvagens. Nem tampouco as poucas imagens permitidas do interior dos mosteiros ortodoxos dão idéia do que é a vida de quem escolheu se isolar do mundo escondido onde ele se mostra mais espetacular. Sem que sua rotina seja alterada, os monges são receptivos na medida certa. Concedem ao visitante cama e comida gratuitos, livre acesso a todo o mosteiro e aos cultos, diálogo amistoso e um pouco da placidez e segurança que fazem qualquer cético invejar o religioso.

Porque o que pra mim não faz nenhum sentido, como os seguidos beijos na imagem da Virgem pintada na parede, as barbas até o umbigo e as vigílias que varam a madrugada, pra eles é uma bússola. E de tão cegamente seguida, fascina e acaba tornando todo o resto pequeno. Tudo. Tudo que eu já escrevi nesse blog, pequeno, o que vocês escrevem no blog de vocês, pequeno, o que bolaram em seus projetos de design, em suas outras profissões, pequeno, os filmes e peças que viram, até o show dos Rolling Stones de graça a trezentos metros da minha casa, até ele, pequenininho pequenininho.

Mas eu me criei um cético, em vinte e dois anos aprendi a não acreditar mais em nada, e por isso preciso falar de guerra de camelos. Guerra de camelos é o esporte mais praticado na costa mediterrânea da Turquia, camelos postos pra se confrontar durante o período de cio da fêmea, que acontece entre final de janeiro e início de fevereiro, portanto um pouco antes de eu ter a chance de contemplá-lo. Não é como briga de galos, não é agressivo. Depois de muita desengôncia entre dois bichos espumantes de tesão e nenhuma coordenação motora, perde aquele que cair no chão, berrar, ou, a única parte realmente perigosa do espetáculo, partir em debandada em direção à platéia. Um esporte inofensivo e despropositado, que só pode ser apreciado em sua plenitude por um cético, mas que nem de longe se equipara à comoção que deve inspirar gente como os monges do Monte Athos, que conseguem se entregar a uma verdade qualquer esquisita que seja, vencendo a fachada cínica protetora que não deixa ninguém mais se deslumbrar com nada.

domingo, fevereiro 12, 2006

A crise do blog, parte tres

Este e um post ensaistico hipotetico blablabla.

Nao vou revelar qual a terceira razao pra terminar com o blog. Nao e misterio, e tempo, estou num internet cafe. Mas com o passar dos anos vai virar um misterio. Quando esse espaco adquirir sua merecida fama defunta, quando o nome desembolog circular com reverencia pela internet, o mundo indagara a razao secreta do seu hipotetico fim. Razao que embora prosaica, sera aumentada pelo telefone sem fio especulativo. A Razao Proibida estara na mira das casas de apostas em Londres, charlataes leiloarao o segredo no eBay, fundamentalistas torturarao minhas irmas, e assim mesmo o segredo nunca sera revelado.

Mas o blog nao vai acabar, vai so fazer um intervalo. Umas duas semanas. E por nenhum dos motivos descritos abaixo, e que eu estou viajando. Estou postando de Meteora, na Grecia, debaixo dos mosteiros ortodoxos, Alexandre e Diogao escrevem pras suas familias aqui do lado. Assim que voltar de Istambul, isso aqui volta a ativa.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

A crise do blog, parte dois

Este é um post ensaístico hipotético sobre a crise blogueira que pode um dia vir a me afetar. E caso eu seja posto na lona pelo desânimo de levar essa bodega pra frente, os motivos serão três, o segundo dos quais será o assunto de hoje.

Comentários. Alguém tome uma providência e esquarteje o sujeito que os inventou, essa maneira tão matemática e inconteste de medir a popularidade de um blog. Eu cresci com essa mania estatística-quantitativa que me faz checar pelo menos duas vezes por dia a quantas anda a resposta espontânea a cada post. Não é só busca por amor-próprio nem minha índole competitiva. É uma compulsão numérica mesmo.

Pra dar uma idéia, eu sou do tipo que se dá ao trabalho de registrar recordes de comunicação mensal em listas de e-mails de grupos. Eu pego o mapa do metrô de Berlim e conto as estações pra saber qual linha é mais longa, qual ponto permite mais locomoção sem baldear, ou quantos deles começam com B (é a letra que mais tem estações de metrô). Eu me interesso pelos afluentes do Amazonas e pelo crescimento demográfico da região subsaariana. Quer dizer, não pelo efeito das enchentes na população ribeirinha nem pelas formas de planejamento familiar para conter a superpopulação, mas pelos números. Só.

E números, se forem por mim mesmo gerados, são passíveis de manipulação. Porque não quero ser como esses tantos anônimos que blogam pra ninguém. Quero audiência, ou pelo menos a impressão de audiência. O problema é que, a princípio, adulterar o número de comentários pode até enganar os outros, mas não a mim, e no final sou eu quem mais quer ser enganado. Mas a adoção repetida dessas medidas cria um histórico de boa resposta ao blog que, mesmo falsa, se impõe pela insistência. No final até eu caio na lorota.

Algumas formas de manipular e estimular comentários em um post:

- implorar.
- responder com um comentário a cada comentário feito.
- não adotar o teste das letrinhas que bloqueia spam, e por tabela alguns disléxicos e preguiçosos.
- não apagar os spams que porventura surjam pela ausência do teste das letrinhas.
- pior: responder ao spam.
- lançar desafios (quantas referências aos Beatles existem nesse post?)
- incentivar polêmicas entre os próprios comentadores, multiplicando a discussão bilateral.

A manipulação que dá mais resultado, no entanto, é a da foto de bebê. Basta uma e o sucesso de público está garantido. Faz-se o alvoroço no público feminino, e logo o post está cheio de números altos. Eu infelizmente não tenho foto de bebê, mas tenho algo muito próximo, que é uma foto da minha irmã Camila, que agora já voltou pra Saarbrücken, onde vai estudar por seis meses. Comentem.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

A crise do blog, parte um

Este é um post ensaístico hipotético sobre a crise blogueira que pode um dia vir a me afetar. E caso eu seja posto na lona pelo desânimo de levar essa bodega pra frente, os motivos serão três, o primeiro dos quais será o assunto de hoje.

Falta de rumo. Porque esse blog nasceu com uma meta, mas a está perdendo. Ele se propôs a aproveitar este quase findo ano de intercâmbio em Berlim para fazer uma mistura de ficção com realidade, em que não se pudesse decifrar onde termina o meu dia-a-dia factual em terras distantes, e onde começa o besteirol. Mas quando encontrei a melhor fórmula pra fazer essa mistura, veio o problema:

É uma formulinha muito da escrota. Ela me exige textos que precisam ser mamutes pra comportar a mirabolância de algumas histórias. E isso consome muito mais tempo e miolos do que eu deveria me permitir. Além do mais, por incapacidade de elaborar toda semana um aglomerado coerente de parlapatices dessa estirpe, muitas vezes sou obrigado a ejetar textos tampão que não se encaixam na proposta do blog.

Se desejo a mim mesmo uma vida longa como blogueiro, é hora de considerar então uma mudança na linha editorial. Andei fazendo uma ronda atrás de blogs que me revelassem novos ares, só pra constatar que a imensa maioria não pretende ser nada muito diferente de um diário umbiguista virtual. Adoro todos, mas pra mim não serve. Tenho essa paranóia de que todo mundo está atrás de brecha pra julgar minha rotina com uma tábua dos mandamentos na cabeceira. Quer ver? Exemplo:

“Semana passada enfim meu estágio terminou.”

Que no enrosco com a imaginação deturpada de vocês, passa a significar que: esse vagaba não gosta de trabalho; e além disso: se o estágio dele terminou um mês antes do intercâmbio, quer dizer que, como se não bastassem as criancinhas famintas da caatinga serem privadas do dinheiro que lhe é nababescamente desviado, esse come-e-dorme ainda vai gastá-lo com viagens e mulheres.

Outra: “Eu e minha irmã Camila fomos numa casa de chá tadjiquistanesa”

Vocês: ô criatura carente, já é a terceira vez que esse panaca recebe a visita de parente, vê se compra um travesseiro pra abraçar em vez de ficar forçando a família a viajar pra Alemanha só pra matar as saudades; e ainda: não só vocês, mas os robôs da CIA que vasculham a internet vão associar o Tadjiquistão ao meu nome e suspeitar de ligações minhas com a Al Qaeda, ou pior, da minha irmã com a Al Qaeda, e daqui a pouco estaremos nós dois gentilmente recebendo a visita de esquadrões da Swat descendo pelo teto; e pra fechar: casa de chá, fala sério, esse moleque é fresco.

Compelido a me autocensurar pra evitar esse tipo de constrangimento, meu suposto diário virtual vai se reduzir a coisas inócuas como:

Notícia da semana: meu cortador de unha quebrou. Fim.

Profile

Rodrigo Rego

Sou designer, fascinado por bandeiras, jogos de tabuleiro, países distantes, e uma miscelânea de assuntos destilados quase semanalmente neste espaço.

Visite meu site, batizado em votação feita aqui mesmo, Hungry Mind.

rodrego(arroba)gmail.com
+55 21 91102610
Rio de Janeiro

Links
Melhores Posts
Posts Recentes Arquivos Powered by Blogger

Creative Commons License