Coisas que eu não faço quando estou no ônibus
Depois que comecei a trabalhar na Barra, o tempo gasto no transporte entre a cama e o escritório adquiriu súbita magnitude. Gasto mais de uma hora para chegar no trabalho e outra pra voltar, totalizando 1/12 de tédio mortal no meu dia. Abaixo, segue uma relação das coisas que eu não faço nesse intervalo:
- eu não trabalho, nem penso sobre trabalho. Não porque eu tenha alguma política de vida cuca fresca, mas por preferir me preparar pra jornada deixando a mente se abilolar que assim economiza neurônios;
- também não ouço música, por dois motivos: um, no Rio não dá pra dar mole com iPod, dois, eu costumo passar do ponto do ônibus quando estou com headphones;
- não durmo, porque não consigo dormir sentado, em nenhuma hipótese;
- não converso, porque não tomo o ônibus com ninguém conhecido, e nem gosto de usá-lo para fazer novos amigos;
- não leio, também por dois motivos, um que me dá dor de cabeça, dois que minha mãe disse que meus olhos iam cair, quicar e alguém ia pisar neles e eu lesse por muito tempo;
- não adianto posts para o blog, não jogo palavras cruzadas, não escrevo na agenda, nem tenho agenda, não desenho caricaturas dos passageiros, só coloco caneta sobre papel se me ameaçarem com uma faca, porque com o sacolejo do trânsito nunca entendo nada do que anotei.
Daria pra dizer que são duas horas em que o único sentido usado é o tato da bunda no banco, mas na realidade o segundo item da relação de cima, que diz que eu não escuto música, é um pouco omisso. Eu ouço música sim, embora a trilha sonora me seja imposta pelo ônibus do metrô, que tem uma política de usar música clássica como calmante para seus passageiros. De Copacabana à Barra, da Barra a Copacabana, eu ouço inapelavelmente Assim falou Zaratustra, de Richard Strauss.
Não é uma música relaxante. É a música de abertura de 2001, uma odisséia no espaço. Foi usada por Elvis gordo na abertura de seus shows bregas nos anos 70. É homônima de um livro de Nietzsche. Tem horas que todas as tubas e trompetes da orquestra esperneiam ao mesmo tempo, é uma música histérica e tensa, a ponto de qualquer outra coisa, qualquer qualquer, ser mais apropriada para acalmar os nervos. Gangsta rap é mais apropriado. MC Colibri é mais apropriado.
E por causa da insensibilidade dos DJs do metrô, chegamos finalmente à única coisa que eu faço durante a viagem. Eu toco mentalmente aquela passagem conhecida de Eine kleine Nachtmusik, emendo o mesmo trecho um atrás do outro, de novo, de novo e de novo, em protesto contra a repetição massacrante de Assim falou Zaratustra. Não à toa, tenho pensado muito em Mozart ultimamente. Mais sobre ele em breve.