É um pouco frustrante a visita ao Palais des Nations em Genebra, a segunda sede da ONU depois de Nova York. Como qualquer prédio correntemente usado por chefes de estado, a gente sofre certas restrições de segurança e acaba não podendo ver as partes mais interessantes. Mas o tour virtual disponível nos terminais da recepção compensam a falta de liberdade de circulação, contando várias histórias de bastidores que ninguém nunca ia imaginar.
Logo de início uma personagem animada nos aborda, e se propõe a entrar em minúcias sobre cada aposento. Escolhi a Esplanada das Bandeiras, uma alameda que conduz à entrada principal do Palácio, cercada por uma fila dupla com as flâmulas de todos os países membros da ONU. A esplanada, me disse a guia virtual, foi objeto de uma das maiores polêmicas passadas nos quase quarenta anos de conferências realizadas no Palais des Nations. Ao final de diversas assembléias, as 191 nações representadas chegaram a um triunfo diplomático, prescindindo de declarações de guerra e com apenas uma sentença de morte. Decidiram a ordem das bandeiras na esplanada, quem vinha primeiro e quem vinha por último.
A idéia mais lógica de ordenação alfabética sofreu muitas restrições, pois não se chegou a uma conclusão sobre que língua usar. O secretário suíço propôs que o nome dos países fossem listados em francês, idioma corrente em Genebra, mas foi contestado pelo próprio assistente, que vinha de Zurique. O inglês também não foi bem recebido, alvo de ressalvas até mesmo dos representantes dos Estados Unidos e do Reino Unido, que preferiam uma língua onde o substantivo viesse antes do adjetivo, ou o "United" os jogaria pro fim da fila. Alguém sugeriu que se fizesse uma ordem alfabética usando o nome de cada nação em sua língua oficial, mas os secretários do Canadá, Bélgica e novamente Suíça começaram a se atracar para decidir qual era a língua mais importante em seus países, e os indianos nem isso fizeram, pois não compreendiam os dialetos um do outro.
Os americanos apresentaram mais uma proposta então, levando em conta o sentido de leitura no mapa-múndi, da direita pra esquerda e de cima pra baixo, começando ali no Alaska. Apesar da concordância do Canadá e dos países escandinavos, a idéia gerou enorme grita nos países árabes, que lêem ao contrário, e nos países do sul, que aproveitaram para contestar a visão eurocêntrica das projeções do globo. Os Estados Unidos tentaram mudar o critério para ranking do PIB, e a Noruega quis mudar para ranking do IDH. Os países africanos entraram em alvoroço e ameaçaram deixar a reunião, o contra-ataque foi imediato: Burkina Faso e Mauritânia fizeram uma proposta em conjunto que ordenasse as bandeiras de acordo com a porcentagem de portadores do vírus HIV na população. O Brasil quis usar o ranking da Fifa. A Líbia sugeriu uma ordem que levasse em conta as próprias bandeiras, seguindo a área total da cor verde em cada uma. A Austrália pediu que os países fossem listados conforme o tamanho do maior meteoro já caído em seu território.
As propostas começaram a ficar tão absurdas que os representantes aos poucos foram cedendo e voltando a idéia alfabética, mas usando o esperanto. O Zimbábue e a Zâmbia ficaram de birra, e tentaram incentivar a idéia da Líbia, mas foram abafados. A sugestão só passou pelo crivo dos Estados Unidos quando lhes foi permitido que seu nome oficial ficasse sendo somente América, e o resultado acabou aprovado com grande maioria. Mas os americanos se arrependeram quando, anunciada a decisão, a até então quieta delegação afegã começou a comemorar, pular e fazer caretas em sua direção. Atordoados, os diplomatas não conseguiram esconder seu desespero e já recebiam ligações furiosas do presidente pelo celular quando um deles levantou-se com uma idéia:
– Mr. Annan, os Estados Unidos da América querem que seu nome em esperanto mude para A
– A? – pergunta Kofi Annan, incrédulo. – Só A? Que raio de nome é esse?
– É uma homenagem a todos os bravos americanos que precisam da letra A para atingir o sonho americano. Os dentistas (abre bem a boca e diga A), os otorrinolaringologistas, os suicidas, todos eles.
O secretário afegão interveio:
– O Afeganistão então quer mudar seu nome para !.
– Não seja ridículo, – falou o representante americano, – como é que se vai pronunciar isso? ! não é nome.
– ! é nome sim, e sempre que alguém tiver um sorriso nos lábios, o estará pronunciando, é uma exclamação de alegria. Pois o Afeganistão é a terra da harmonia e da paz.
Todos os países começaram a mudar seus nomes para sinais de pontuação e símbolos gráficos, tornando o esperanto inútil para ajudar na ordenação das bandeiras. O secretário geral das nações pediu para que parassem com a algazarra, e já gritando, praticamente impôs uma forma de ordenar alfabeticamente os símbolos, que iam de crucifixos a metralhadoras, de desenhos incompreensíveis a crucifixos com metralhadoras em cima. Kofi Annan definiu que uma máquina dessas que arremessa bolas de beisebol (confusão novamente, acabaram mudando pra bolas de tênis) jogaria bolas com números, e os representantes que pegassem as menores seriam os primeiros na ordem alfabéticas de seus novos nomes impronunciáveis. Todos se aglomeraram no centro do auditório de reuniões enquanto a máquina zunia a sorte de cada um pelo salão. Cento e noventa e uma bolas depois, foi conhecida a ordem: a primeira bandeira seria da Costa Rica, seguida pelas da Guiné Equatorial, Espanha e Emirados Árabes Unidos. O Paraguai ficou com a última posição. Todos os países concordaram com o resultado e assinaram a ata da reunião pacificamente, mas o chefe da delegação afegã acabou condenado à morte ao voltar para seu país, pois apesar de uma boa 34a colocação, terminou atrás dos Estados Unidos. Na Esplanada das Bandeiras foi plantada uma rosa em sua homenagem.