Herói do sabonete
Sofri uma tentativa de assalto outro dia, ou pelo menos acho que. De repente não. Um sujeito maltrapilho chegou falando gingado do meu lado, bigodinho ralo, mulato, camisa velha. Isso umas sete da noite, no vácuo de cidade entre o Downtown e o Cittá America.
— Ae… fala nada.
Não esperei o resto do papo, corri. Nunca mais o vi na vida. Mas depois bateu remorso, talvez não fosse um assalto, talvez ele complementasse:
— Fala nada, estamos perto de um hospital (que não estávamos).
— Fala nada, meu bebê está dormindo (que não havia).
— Tem um marimbondo na sua orelha (difícil).
E agora sinto orgulho por essa covardia que pode ter magoado um homem de bem. Ou mesmo que não fosse, supondo-o o vira-latas oportunista que parecia, fica óbvio que algo se perdeu entre a forma romântica com que eu ambicionava enfrentar a bandidagem quando criança, e essa corrida apavorada da semana passada. Eu moleque sonhava que se alguém invadisse minha casa, o atacaria com um sabonete e o faria engoli-lo inteiro. Não conseguia imaginar tortura maior que sentir aquele perfume escorregadio se pastificando goela abaixo, glicerina mastigada, gordura rosa ensaboando a glote sufocada.
Não tinha planejado como desviar dos tiros, mas tinha certeza que o ladrão ficaria tão surpreso com esse ataque insólito, que enquanto cambaleasse arrotando bolhas pelo quintal, o cachorro já teria comido o bife, se recuperado do chute, e faria o resto do trabalho, não me cabendo portanto a tarefa suja de matar o homem.
Mas hoje eu já não sou macho suficiente nem para reagir, hoje eu só corro. Vergonha. A partir de segunda, levo um sabonete na mochila.