Manual do transgressor moderno
Se você é como eu, então é do tipo que troca de opinião de acordo com o interlocutor — só que ao contrário. Você é um do contra sistemático, compulsivo. Ao lado de um banqueiro, você é comunista, perto de um cientista, você defende a criação divina.
Podem te achar inteligente e podem te taxar de mala, o segredo está na dose. Não digo pra você inibir seu dom, mas não o banalize. Não desperdice a lábia justificando o desmatamento e os neonazistas. Se bandear automaticamente pro lado oposto só pra evitar o consenso não te faz um transgressor. Você é tão rebanho quanto os carimbadores da unanimidade.
Quer ser do contra, seja comedido. Escolha um consenso latente, sobre o qual ninguém escreve no jornal. Pode ser uma trivialidade. Aí faça o oposto e contemple na cara das pessoas o espanto de descobrir aberta uma porta que elas achavam que era parede.
Algumas sugestões:
1- Use bigode.
Hoje cada um faz o que quer com os pelos da cara. O conservador raspa, o relaxado deixa solto, o ousado cria cavanhaque, costeleta, até suíças. Mas ninguém abaixo dos 40 deixa só o bigode. O banal virou a última fronteira. Em 50 anos, o último bigodudo terá morrido, e o mundo ficará de buço pelado. Cresça um belo bigode, e saboreie a espuma do chope horas depois do copo vazio.
2 - Vire católico.
Ah, está tão na moda largar o catolicismo. Cada vez mais gente se abarrota em cultos evangélicos. Os artistas estudam a cabala, viram budistas ou espíritas. Dizem que a Igreja tem muitos crimes no currículo, mas as outras religiões também devem ter matado muitos judeus, é só olhar de perto. E você que é ateu, não me tire o corpo fora, que muitos genocídios já foram cometidos em nome da deusa razão, é só dar um pulinho na União Soviética. Vire católico, no ritmo da debandada é capaz de você ser o único restante para ser o próximo papa.
3 - Batize um filho com o seu nome.
As pessoas têm sido bem criativas ao nomear a prole. Tudo pra evitar que haja outros iguais na escola. As classes alta e baixa evidentemente têm uma concepção bem diversa do que seja um bom nome para o rebento. Mas repetir o nome do pai é considerado cafona não importa a origem. Você pode e deve usar o seu filho como parte do seu libelo contra a arbitrariedade da moda. Chame-o de Júnior, e a cada vez que ele voltar surrado do colégio, você terá certeza de que a sociedade tem muito a aprender com você.
4 - Batize uma filha com o nome da sua esposa.
Se você for um do contra radical e receber a graça de uma filha mulher, não deixe escapar a chance de dar-lhe o nome da sua esposa. Não há precedentes para tamanha transgressão. Observe o estupefato do escrivão tentando decidir se a chama de “Maria da Silva Filha”ou “Maria da Silva Júniar”. Deixe que ele escolha. Você já ganhou a parada.