Como se posicionar num ônibus cheio
Sempre que eu dirijo tenho a impressão de que vou matar alguém, por isso é raro alguém me flagrar ao volante. Até pegava o carro com mais freqüência nos primeiros meses de namoro, mas desde o incidente com a colméia que eu e Paula concluímos que todo mundo ganharia se fosse ela a motorista oficial. E desde que assumi o controle do porta-luvas, suas crises de hipertensão diminuíram muito.
Por isso tenho sido a vida inteira um passageiro de ônibus. Hoje se completam quinze anos da minha primeira viagem sozinho, e nesta data festiva resolvi passar adiante todos os meus conhecimentos acumulados.
A aula de hoje é a mais importante de todas: Como se posicionar num õnibus cheio para garantir um assento rápido.
Vamos construir o seguinte cenário: duas pessoas entram no ônibus no seu ponto, uma velhinha e você. Você educadamente lhe concede a frente. Ela passa na roleta, você passa na roleta. Ela pega o último lugar vago no ônibus e você amaldiçoa três gerações dela por ter que ficar em pé.
Mas para quê tanto escarcéu? Pensemos pela metade cheia do copo. Ela se sentou no pior lugar do ônibus, na última fileira, entre a janela e o banco do corredor. Está sufocada por um sujeito sinistro, supostamente dormindo, coma cara enfiada na toca de hip-hop, e por um gordo esfarelento com seu saco de Ruffles. Você tem o ônibus para si. O próximo assento a vagar vai ser seu, e será melhor que o da velhinha. Isso nos leva à primeira lição:
1: Nunca sente no pior lugar do ônibus. Ficar em pé é investir num assento melhor.
É claro que nem sempre você será o único em pé. Pessoas entram para a disputa, ou você é que entra pra disputar com elas. Nesse ambiente hostil começam a se formar áreas de influência. A sua área de influência é a fatia de bancos cujas vagas serão incontestavelmente suas, de acordo com as leis da proximidade. Procure sempre ter a maior área de influência possível. Isso leva a duas novas lições:
2: Se houverem poucos concorrentes, posicione-se entre o último deles e os fundos do ônibus. Faça o possível para obstruir a passagem dos novos concorrentes. Quando não for mais viável, adote a lição #3.
3: Posicione-se sempre no meio da maior lacuna que houver no ônibus.
Algumas vezes, entretanto, o ônibus está tão cheio que não existem lacunas, e as áreas de influência ficam restritas. Nessas horas, existem duas táticas possíveis, descritas nas duas próximas lições.
4: Posicionamento em trinca. Quando assume essa formação, o passageiro garante uma área de influência de três bancos. Ele se posiciona entre dois bancos de uma das fileiras, ganhando o direito de se sentar num dos dois bancos ao seu redor ou no banco diretamente atrás.
Mas é preciso ter timing para saber até quando sustentar essa posição, pois conforme o ônibus vai enchendo as pessoas vão se acomodando onde for possível, e os vizinhos cada vez mais espremidos podem te deixar sem direito a nenhum assento.
4A: A melhor posição para a trinca é nos fundos do ônibus, desde que você não se incomode com o sacolejo e o aperto. Com uma trinca de fundos você ganha direito a nove assentos, mesmo com o ônibus cheio.
5: Para ônibus realmente lotados, é preferível o posicionamento unitário. Coloque uma das mãos na alça de ferro de um dos bancos, e a outra na barra vertical vizinha. Isso faz de você o postulante inegável para o banco que envolveu, posição que pode ser garantida até nos ônibus mais cheios.
5A: A menos que você seja um entusiasta da janelinha, nunca se posicione em frente a marido e mulher, mãe e filho ou mesmo duas pessoas conversando. A probabilidade de que ambos saiam juntos é grande, diminuindo as chances de vagar um assento.
Agora você já sabe o básico sobre posicionamento em ônibus. Olhe no relógio. Hora de sair do trabalho? Hora de ir pra faculdade? Vá praticando.