Serviço Domestico
Odeio serviço doméstico. Nada me traz maior sofrimento. Mas dentre os muitos desdobramentos que as tarefas do lar possuem, um é desagradável em especial. É a pior parte do serviço doméstico.
A pior parte do serviço doméstico não é fazer faxina. Fazer faxina é, sim, chato, pela demanda de longo trabalho braçal, de esforço físico e de um perfeccionismo com os cantos escondidos que eu sequer almejo possuir. Mas não é a pior parte.
A pior parte o serviço doméstico não é, tampouco, lavar roupa. Talvez até fosse, se houvesse tanque de lavar roupa na Alemanha. Mas na Alemanha não existe tanque de lavar roupa, então lavar roupa fica bem fácil. Basta colocar na máquina de lavar roupa, e ela lava a roupa para você. Também passar roupa não é a pior parte do serviço doméstico. Na verdade, é a melhor. Até porquê, eu não passo roupa na Alemanha, o ferro de passar roupa continua um profundo mistério para mim. As roupas ficam secando esticadinhas no varal para não amassarem, e surpreendentemente não amassam. O que prova que, se tivermos um dia que nos livrar de um só eletrodoméstico, para sei lá, conservarmos a vida, não tenhamos dúvida: é o ferro de passar roupa.
Está longe de ser a pior parte do serviço doméstico cozinhar. Cozinhar é até legal. Difícil é encarar depois o resultado, mas o ato em si, contanto que não ponha fogo em nada, é legal. E também não me venham dizer que a pior parte do serviço doméstico é lavar a louça. Lavar a louça é MUITO legal. Lavar a louça é uma revanche - onde eu me vingo do arroz que sempre gruda na panela fazendo-o impiedosamente escorrer pelo ralo da perdição. Lavar a louça é o espairecer de um dia estressante.
A pior parte do serviço doméstico é tudo isso junto. Dia após dia. Até o infinito. O trabalho nunca acaba, os cantos sempre juntam poeira, as roupas sempre aparecem com mancha, o estômago está sempre roncando. Mas para mim, no meu tempo psicológico, o trabalho já acabou. O banheiro já foi limpado? É um trabalho que não tem razão de ser (e, diga-se de passagem, não é) repetida na semana seguinte. Está limpo, está limpo, passemos para a próxima. A louça foi lavada? Por quê, diz o meu inconsciente, ela tem que ser lavada de novo na refeição seguinte? É uma tarefa cumprida, riscada da listinha. Me forçar a desobedecer a minha voz interior, ou obedecê-la só para descobrir na semana seguinte que o lixo nem cabe mais na lixeira é torturante.
A repetição me cansa. Eu sou "criativo". Sou um "designer". Minha cabeça está fervilhando de idéias prontas para mudar o mundo. Subsistir deveria ser automático, um mero estalar de dedos. Mas não sei por que estou me queixando, se esta semana efetivamente será um mero estalar de dedos. Plec: até domingo estamos recebendo a Ilana e Fabíola, alunas da Esdi em intercâmbio no sul da Alemanha que vieram fazer uma visita. E retribuem a hospedagem gratuita: cozinham, limpam, espanam, lavam, aspiram o pó, enxáguam, secam, passam pano, arrumam, recolhem o lixo, trazem a cerveja e graças a Deus não lêem este blog.