Bustrofedao, parte 3 de 3
Foi Perec quem chegou ao ápice, mas não partiu dele a idéia de criar restrições para seus próprios escritos. Partiu de Raymond Queneau. Queneau escreveu Exercícios de Estilo, em que uma mesma história curta é contada noventa e nove vezes, cada uma num estilo diferente. Depois criou a Oulipo, OUvroir de LItérature POtentielle, que reuniu escritores franceses em busca de novos potenciais para a literatura, através de novas estruturas, esquemas, restrições, como os palíndromos e lipogramas de Perec.
Parece coisa de maluco. A foto ali debaixo reforça a idéia, e de fato lipogramas e palíndromos são só malabarismos textuais, puro circo. Mas quando as restrições se usam de elementos alheios às Letras, como as fórmulas matemáticas e os movimentos de cavalo de Vida, Modo de Usar, as idéias da Oulipo ficam muito mais interessantes.
Essas regras auto-impostas são um pouco como redação de colégio. Aluno nenhum que eu conheço gosta de tema livre quando faz redação. Tema livre implica numa liberdade de escolha tão grande que se perde o rumo. Quando Ítalo Calvino se propõe a criar histórias a partir de cartas de tarô, criando uma nova a cada seqüência disposta na mesa sempre que uma nova carta é baixada, ele está na verdade achando um tema no qual exercitar sua imaginação. Se não houvesse A Sacerdotisa, O Mago, A Temperança e A Morte, arcanos do tarô dispostos numa seqüência estabelecida, Calvino provavelmente não teria conseguido inventar as histórias imaginosas que concatenam esses personagens no livro Castelo dos Destinos Cruzados.
Talvez fosse isso que eu realmente quisesse no meu projeto final de faculdade. Nada de estimular o acaso, nada de derramar tinta no papel pra ver que bode que dá, o objetivo seria elaborar regras externas às que já demandam um projeto de design gráfico, para estimular a criatividade. Quando André, Gil e eu bolamos as regras de execução coletiva do convite para a festa de formatura (nunca usado), acho que o que queríamos mesmo não era criação coletiva, nem ver como funcionaria o acaso ao misturar projetos individuais de pedaços isolados num grande todo macarrônico. A expectativa era de ver que resultado daria aquele conjunto de regras esquisitas dentro das quais teríamos que nos limitar.
Um dos esquemas propostos pela Oulipo mandava que se pegasse um trecho de um texto clássico e se trocasse todos os substantivos por outros que se encontrassem sete entradas depois no dicionário. A partir daí, reescrever mudando, se necessário, as demais palavras. É bem parecido com um esquema de criação em design que eu tinha inventado: a cada vinte minutos uma das camadas de um arquivo aberto no Photoshop é trocada por outra de um arquivo qualquer. Só hoje eu entendi meu tema. Não tem a ver com o resultado, casuístico, dessas restrições, mas com a elaboração das regras em si. Mas agora fica pro mestrado.